Entrevista: Rafael Loyola

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O nosso entrevistado de hoje é professor da Universidade Federal de Goiás (Brasil), tem ampla experiência em diversas áreas dentro da Ecologia, e ele nos contou um pouco de sua trajetória acadêmica, especialmente o que tem feito para divulgar a ciência, e nos traz uma visão otimista em relação ao aumento da valorização dos cientistas que dedicam um tempo à comunicação científica.

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Revista Bioika: Qual a sua experiência com divulgação científica? E aproveitando, fale um pouquinho para nós sobre sua formação.

Rafael Loyola: Eu sou biólogo, formado pela UFMG em Minas Gerais. Fiz o Mestrado em Ecologia, Conservação e Manejo da vida silvestre, depois fiz Ecologia pela Unicamp, no doutorado. Entrei na Universidade Federal de Goiás há oito anos e criei o laboratório de Biogeografia da Conservação. A gente basicamente faz duas coisas: trabalha com pesquisa em mudança climática e prioridades para a conservação da natureza e oferece suporte à tomada de decisão ambiental para diferentes órgãos do Brasil. Isso é o que a gente faz. Por causa disso, a gente tem certo envolvimento com divulgação científica em níveis diferentes. O primeiro nível a gente prioriza artigos e os livros que são de divulgação. Por exemplo, esse ano a gente acabou de publicar um livro que tem pessoas do laboratório envolvidas, sobre lagoas temporárias no Cerrado e a importância que isso tem para os sapos. E tem um livrinho para crianças pequenas do ensino fundamental, com uma linguagem acessível. Tem um jornalista que revisa o texto, a gente tem um envolvimento com a divulgação para fazer essa pesquisa ficar mais acessível. A gente tem outra coisa, que é, eu escrevo para o jornal ((o))eco que é um jornal ambiental. Então às vezes fura, depende da minha agenda, mas normalmente uma vez por mês eu escrevo uma coluna, que é um tema que ou discute um problema científico ou divulga alguma coisa. Então assim, na última coluna, por exemplo, eu dizia que o desmatamento da Amazônia aumenta em períodos de eleições presidenciais no Brasil. Mas essa ideia não é minha. Tem um artigo científico bem complicado sobre isso, com análises complicadas. E meu trabalho é um pouco de digerir isso, de uma maneira que seja bem mais acessível, que pareça quase uma reportagem, chamando a atenção das pessoas: olha que interessante uma coisa que ninguém nunca pensou e esses autores aqui fizeram muito bem. Só que eu estou digerindo de forma mais geral. Então a gente atua basicamente em duas frentes: alguns livros de divulgação mesmo, alguns artigos tipo Ciência Hoje, Bioika, colunas que são ou divulgação ou opinião, mas que sempre envolvem ciência e um pouco de formação. É o nosso caso do curso de comunicação científica, de como fazer. Assim a gente também divulga muita coisa e os alunos aprendem a divulgar também. Essa é a nossa experiência com divulgação.



RB: Você acredita que as tomadas de decisões podem ser fortalecidas (com base) na academia se a sociedade estiver mais envolvida com isso?

RL: Sim, eu acho que sim. A sociedade ela tem que se envolver e ela se envolve de alguma maneira. Por exemplo, toda vez que se faz um plano de ação nacional, tem que haver uma consulta pública. Essa consulta pública é supostamente para envolver a sociedade, para as pessoas opinarem. E dizer: olha, eu acho que isso funciona, eu acho que não funciona, esse dado aqui vocês não tem, mas eu tenho, ou, isso vai gerar um problema: “Ah! Nós vamos criar uma unidade de conservação aqui”. Às vezes as pessoas vão falar: olha, isso vai trazer um problema para gente ou isso vai ser muito bom. Eu acho que tem outra coisa que os cientistas tem feito mais, que é particicipar mais ativamente nas redes sociais. Eu vejo, a gente tem uma fanpage no Facebook, um canal no Twitter, um canal no YouTube a gente segue algumas pessoas. E eu vejo um monte de gente fazendo isso, divulgando, usando aquele espaço pra divulgar um pouco da pesquisa, às vezes de uma maneira muito simples, por exemplo, olha o artigo novo e o link, às vezes de uma maneira um pouco mais elaborada de escrever num post, num blog, assim, olha: a gente fez isso, desse jeito, está aqui o link, se você quiser ler o artigo, se você entende, se você pode, tem tempo, mas está aqui um resuminho para você saber o que a gente fez. Os próprios órgãos do governo têm tomado direções nesse sentido que são muito interessantes. Por exemplo, o CNPq agora ele obrigou todo cientista que tem projeto financiado pelo CNPq, no final do projeto, na prestação de contas, tem que escrever um resumo para não especialistas, isso é obrigado. Se você não escrever esse resumo, a prestação de contas não fecha. Isso é um ponto super importante porque ele está dizendo: olha, a gente investiu um dinheiro na sua pesquisa, essa pesquisa tem um retorno, mas a sociedade tem que saber, ela não pode ficar só no meio acadêmico. Então, esse resumo para não especialistas é obrigatório. O que não é obrigatório, mas já está lá na plataforma e eles pedem que você faça: um vídeo de divulgação para não especialistas. Então é assim, olhar para a câmera e falar: nessa pesquisa nós fizemos isso. De uma maneira clara, para que as pessoas entendam. O que eu não duvido nada, que daqui a alguns anos, três, cinco anos, isso vire obrigatório, o CNPq vai falar: tem que gravar o vídeo. Ah! Não gosto, sou tímido. Não é problema meu. Na hora de pedir o dinheiro você não teve vergonha, na hora de divulgar a pesquisa também não vai poder ter. Porque a gente tem que dar um retorno para a sociedade. Então, está crescendo e eu também, ando otimista, eu acho que a sociedade está querendo saber. Esse é outro ponto importante. Eu nunca vi as pessoas tão engajadas, querendo saber o que está acontecendo, buscando. O nosso canal lá no Twitter tem umas pessoas que não tem nada a ver com ciência, não sabem nada disso, e eu vejo elas retwitando coisas que a gente posta porque eu acho que elas entendem que aquilo é importante, mesmo que eu não trabalhe com isso, mesmo que eu não saiba, se alguém falou que vai criar uma Unidade de Conservação e fazer isso é importante, e eu internalizei que isso é importante, eu compartilho isso. Então, eu tenho visto muita gente que não é da área, preocupada, interessada, perguntando, o que é sempre muito bom.



RB: Em relação ao sistema de avaliação, da pós-graduação, do cientista. Somos avaliados basicamente pela nossa produtividade, pelos artigos, em inglês. Um cientista que faz divulgação científica ele não vai ser tão produtivo quanto alguém que apenas publica, mas ele vai ser avaliado da mesma forma. Então eu queria saber a sua opinião sobre esse sistema de avaliação e alguma alternativa para a gente mudar isso.

RL: Acho que são dois componentes separados. Um componente é o sistema em si, que é verdade, valoriza muito mais publicações em revistas internacionais indexadas e em inglês e com um critério que a CAPES usa, por exemplo, do nível A1. Esse critério de avaliação, é fundamental, é inegável a importância que isso teve para o crescimento da ciência no Brasil. A gente saiu de uma ciência meio caseira para uma ciência hoje, por exemplo, em biodiversidade, é a oitava maior ciência do mundo. O Brasil é oitavo maior produtor de conhecimento científico em biodiversidade do mundo. E parte disso, é uma política importante da CAPES dizer: queremos artigos de qualidade. Isso é importante. Mesmo assim, tem um problema nesse processo, o problema é: se a gente olhar só para isso, as outras pessoas, ou as mesmas pessoas que querem fazer divulgação elas criam para elas o problema de fazer uma coisa a mais e não fazer o que elas estão fazendo. A minha impressão é que divulgação científica no Brasil está muito associado com talento, aquela pessoa sabe fazer, ou, uma pessoas que se dispõe de um tempo para fazer como se não fosse obrigação dela, quando na verdade é, eu separei um tempo para fazer. E também das pessoas que fazem porque gostam ou acham importante. Mas por que isso acontece? Porque apesar do sistema de avaliação ser importante, ele não valoriza isso. Então, a realidade é: quem dedica sua carreira à divulgação científica, não é valorizado, nesse sistema. O que não quer dizer que não vai ser valorizado em outras coisas. Por exemplo, Marcelo Gleiser, faz divulgação científica de uma maneira muito legal, eu sou fã, adoro os livros, mas no fundo ele não está nem preocupado com o sistema de avaliação porque na verdade ele está em outra, eu gosto disso, eu faço isso. O problema mais sério é no início da carreira, porque as pessoas precisam de um lugar ao sol, e elas tem que publicar os artigos. E aí, aparece o conflito com a divulgação. Tem até um termo que chama “Efeito Sagan”, por causa do Carl Sagan. (No livro do Fernando Fernandez ‘Os mastodontes de barriga cheia’– comenta disso, exatamente).

O Sagan se envolveu com essas coisas, ele foi nominado para a academia de ciências dos Estados Unidos e a academia não o aceitou: Não, ele não faz ciência, ele divulga. E depois no final, nem era isso [teve outro rolo lá que você pode ler no livro do Fernando]. Mas as pessoas criaram esse mito. Se eu fizer isso eu nunca vou ser bolsista de produtividade. Se eu fizer isso eu nunca vou estar na pósgraduação. E é mentira. Agora, realmente existe um conflito, tem que dedicar um tempo para fazer as duas coisas, e aí atualmente é muito de: eu gosto, eu acho importante, eu vou fazer. Então, parte da solução é o sistema de avaliação valorizar essas pessoas. De novo sendo otimista: isso começou a acontecer. O CNPq criou uma parte do Lattes especificamente de divulgação científica. Agora tudo o que você faz e insere no Lattes tem que dizer assim: Isto é um produto de divulgação científica para a ciência? Se for, você põe lá. Esse é o primeiro passo do CNPq dizendo: Olha, a gente está valorizando isso. A gente está chamando atenção que isso é uma coisa importante. Eu também não duvido que daqui a pouco, um artigo de divulgação científica em um jornal, comece a ter um peso tão relevante quanto um artigo. Isso seria fantástico para as pessoas que fazem isso, para elas tirarem da cabeça o conflito. Eu posso fazer isso, porque o CNPq vai me avaliar por isso também. E isso seria bom para quebrar um outro mito, de que divulgação científica é muito fácil. De que divulgação científica é: ah! Você escreve um textinho em português, é fácil. Não é fácil. É mais difícil do que escrever um artigo científico. Porque o artigo em inglês, você foi treinado para fazer aquilo na sua carreira inteira, da iniciação científica ao pós doutorado. Mas escrever em português, escrever para um público leigo, escrever para um jornal, não tem nada a ver com isso. É minha outra brincadeira no laboratório: Você tem que desaprender tudo e aprender de novo. Como é que eu vou fazer agora para alcançar essas pessoas. Mas devagarinho está melhorando. Se a gente olhar, há dez anos era muito pior, tinha muito menos gente envolvida e uma divulgação muito mais incipiente sem nenhuma fonte adicional que hoje é muito pequena, mas é melhor do que nada.


Você pode conhecer mais sobre o trabalho deste incrível pesquisador, acesse: http://rdloyola.wix.com/home#!

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