A dança das cadeiras de parasitos e seus hospedeiros

Da recente pandemia global à troca de hospedeiros, este estudo desvenda como esses eventos moldam o cenário de doenças, destacando a urgência de compreender e agir diante dessa interação dinâmica, na que a dança evolutiva entre parasitos e hospedeiros revela segredos cruciais para nossa saúde.

cover


share Compartilhar expand_more

O qué são as zoonoses e qual é sua prevalência?

A recente pandemia global resultante da infecção humana pelo vírus SARS-CoV-2 chamou a atenção do mundo para a potencial emergência de doenças zoonóticas, que são aquelas no qual ocorre a transmissão de um patógeno de animais silvestres para o ser humano1. Sabe-se que este vírus é um parasito intracelular que apresenta proximidade genética com os coronavírus (grupo de vírus conhecidos desde meados dos anos 19602), encontrados em morcegos, dos quais provavelmente se originou. O COVID-19 é um caso de troca de hospedeiro, no qual o vírus que ocorria em animais silvestres entrou em contato com o ser humano, infectou e o incorporou como hospedeiro, se tornando extremamente transmissível. Um evento como este pode acontecer em qualquer lugar, a qualquer momento, e para responder de forma rápida e eficaz, o conhecimento científico sobre o assunto deve ser considerado e incorporado na elaboração de políticas de saúde pública pelos nossos governantes.

Mas afinal, o que é a troca de hospedeiros? É o termo utilizado para definir a dispersão de indivíduos parasitos, seguida da colonização de uma nova espécie de hospedeiro. Você deve estar se perguntando: por que uma espécie de parasito troca de hospedeiro? Isso acontece porque os recursos e as condições disponíveis para uma espécie mudam no tempo e espaço, e essas mudanças criam oportunidades para novas interações. Tais eventos de troca de hospedeiro podem atuar como uma força reguladora das interações entre parasitos e hospedeiros.

Factores que favorecen el surgimiento de enfermedades zoonóticas

Para investigar como a troca de hospedeiros afeta a ecologia e a evolução de espécies de parasitos ao longo do tempo, nós criamos um modelo teórico. Nele, imaginamos parasitas que podem mudar de um tipo de hospedeiro para outro ao longo do tempo, como pulgas que passam de um cachorro para um lobo-guará. No nosso modelo, consideramos que essa mudança de hospedeiro pelos parasitas depende de quão parecidas são os hospedeiros filogeneticamente, ou seja, quão relacionadas evolutivamente são as espécies de hospedeiros. Por exemplo, parasitas que vivem em roedores parecem ter mais chance de trocar para outro tipo de roedor do que para um lobo-guará, que é mais distante evolutivamente.

Representação do parentesco filogenético de duas espécies de roedores com o lobo-guará e dois cenários hipotéticos extremos de troca de hospedeiro

O modelo simula como essas trocas podem acontecer ao longo do tempo, como os parasitas surgem e como eles podem conquistar novos hospedeiros. Depois, comparamos os resultados simulados com dados reais coletados no campo. Analisamos diferentes tipos de parasitas, como ácaros, vermes, pulgas e piolhos, e como eles evoluem.

Depois de muitas horas de simulação (sim, a evolução, mesmo na simulação, leva tempo e requer muitas repetições com diferentes configurações para entender o modelo), observamos que a frequência das trocas de hospedeiros influencia muito na vida e evolução dos parasitas. Quanto mais frequente essa mudança, menos variedade de parasitas encontramos entre os diferentes hospedeiros. Isso acontece porque muita troca favorece a interação de diferentes espécies de hospedeiros com o mesmo parasita.

Descobrimos também que trocas de hospedeiros aleatórias são mais prováveis entre espécies de hospedeiros muito relacionadas, de acordo com nosso modelo. Além disso, notamos que comunidades com menos hospedeiros têm mais trocas, provavelmente porque é mais fácil para os parasitas mudarem quando os hospedeiros estão mais próximos. Comunidades maiores têm menos trocas, já que as diferenças entre os hospedeiros dificultam a mudança. 

A intensidade das trocas ao longo do tempo pode alterar a vida e evolução dos parasitas. Se a troca for alta, os parasitas se misturam entre os hospedeiros e não se formam novas espécies. Se a troca for baixa, novas espécies de parasitas surgem. Isso foi observado em todas as simulações, sugerindo que a mudança de hospedeiro é crucial para a diversificação dos parasitas. Durante as simulações, vimos que as espécies primeiro experimentam diferentes hospedeiros antes de se especializarem em uma específica, apoiando a Hipótese de Oscilação proposta por Janz e Nylin em 20083. Veja a dinâmica eco-evolutiva no vídeo a seguir.

Gif 1

Devido às informações que são herdadas dos seus ancestrais, os parasitos podem realizar a troca de hospedeiro através de um mecanismo que chamamos de adaptação ecoloógica. Esta adaptação ecológica explica como os organismos colonizam e persistem em novos ambientes, usam novos recursos ou formam novas associações com outras espécies através de um conjunto de informações genéticas que já possuem.

A expressão dessas capacidades inexploradas é mediada pela oportunidade ecológica (temporal e/ou espacial) que determina a possibilidade de contato/encontros entre hospedeiros e parasitos que até então não tinham contato. Após o encontro, se a interação for compatível, segue-se a resolução dos conflitos que surgem da dinâmica básica do “viver junto”. Essa dinâmica deve resultar em uma co-acomodação, no qual o parasito se co-acomoda no novo hospedeiro e estabelece uma nova interação.

Nossos resultados têm importantes implicações no atual cenário de modificações dos ambientes naturais promovidas por atividades humanas. Essas atividades aumentam as chances de encontro entre espécies no tempo e no espaço, como o caso do SARS-CoV-2, sendo que as informações herdadas dos ancestrais podem definir se a interação terá sucesso ou não. Tais mudanças causadas por atividades humanas, modificam constantemente os ambientes naturais e, como consequência, alteram a distribuição geográfica de muitas espécies, incluindo parasitos. Obviamente, há interesse especial naqueles que causam doenças, dado que podem afetar diretamente os seres humanos. As mudanças climáticas são um dos principais catalisadores para essas novas oportunidades, e isso pode permitir que patógenos e hospedeiros se estabeleçam em novos ecossistemas. Uma vez que os patógenos começam a utilizar novos hospedeiros, novas variantes de patógenos podem surgir, cada uma com novas capacidades de infectar novas espécies de hospedeiros. Por fim, nossa pesquisa apresenta um modelo em que a troca de hospedeiro mediada pela proximidade evolutiva dos hospedeiros é um bom preditor para associações parasitárias, bem como para a formação de novas espécies de parasitos. Vemos isso como um passo importante em nossa compreensão dos processos de diversificação dos parasitos.

Isso foi útil?

Para mais informações:

  1. Agosta, S. J., & Klemens, J. A. (2008). Ecological fitting by phenotypically flexible genotypes: implications for species associations, community assembly and evolution. Ecology Letters, 11(11), 1123-1134.
  2. Griffin, B. D., Chan, M., Tailor, N., Mendoza, E. J., Leung, A., Warner, B. M., ... & Kobasa, D. (2021). SARS-CoV-2 infection and transmission in the North American deer mouse. Nature Communications, 12(1), 1-10.
  3. Janz, N., & Nylin, S. (2008). The oscillation hypothesis of host-plant range and speciation. Specialization, speciation, and radiation: the evolutionary biology of herbivorous insects, 2008, 203-215.


library_booksVersão PDF



event_available Lançamentos

alarm_onNotificações

close bookmark_border Favoritos