Revista Bioika (RB): A nossa entrevista de hoje é com a Professora Doutora Mercedes Bustamante, da UnB. Professora, para começar, eu pediria para que você se apresentasse e falasse um pouquinho da sua formação.
Mercedes Bustamante (MB): Eu sou bióloga, posteriormente fiz um mestrado na área de fisiologia vegetal e depois um doutorado na área de Geobotânica e trabalhei 100% nessa relação entre vegetação e meio ambiente. E em função disso eu caí um pouquinho nessa área que a gente chama de ecologia de ecossistemas, e que inclui a questão da mudança climática.
RB: E atualmente tem uma linha de pesquisa...
MB: Isso, a minha linha de pesquisa atual é entender como as mudanças no uso do solo, ou seja, quando você retira a cobertura de vegetação nativa, transforma aquela área para um outro uso, como agricultura, pastagem ou área urbana, o que isso impacta no funcionamento, na qualidade do ar, na qualidade da água na redução da biodiversidade e quais as consequências que estes processos têm.
RB: Se você tivesse que destacar as principais causas das mudanças climáticas, o que você destacaria?
MB: A mudança climática que a gente fala, a mudança climática antrópica, ela é originada exatamente pelo uso que o homem faz do solo. Isso representa aproximadamente 24% das emissões dos chamados gases de efeito estufa e uma boa parte dessas emissões de gases, que são causadores do aquecimento global está relacionada à matriz energética, ou seja, quais são as fontes de energia que a gente usa. Então, uma matriz energética que é fundamentalmente de combustíveis fósseis, ela é responsável hoje pelas emissões de gás carbônico na atmosfera.
RB: Sobre a COP 21, o Acordo de Paris, como você vê a participação dos países da América Latina [nesse acordo]?
MB: A COP de Paris ela é um passo muito importante porque há muito tempo se buscava um acordo que tivesse esse aspecto global e ela tem esse mérito. Mas há hoje também uma preocupação que se você quantificar todas as contribuições que os diferentes países estão fazendo para o acordo a gente não vai chegar no objetivo dos 2 graus centígrados acima da temperatura pré Revolução Industrial. Então, já há essa visão de que o acordo é importante mas a gente precisa aumentar o nível de ambição nas propostas que os países estão fazendo. A América do Sul ou a América Latina de uma forma geral tem um papel importante porque a região é responsável pelas emissões oriundas do desmatamento e da agricultura. Então existe aí um enorme espaço para que os países trabalhem no sentido de aumentar a sustentabilidade no sistema de produção de alimento aumentar as estratégias de conservação e que isso vai ter um benefício climático também. Então, acho que a região, por se concentrar em um grande número de países chamados megadiversos, tem essa dupla responsabilidade. Ao contribuir para a retirada das emissões de CO2 da atmosfera, ela também vai ter um benefício muito grande na conservação da biodiversidade então, que é justamente transformar em uma situação de equilíbrio.
RB: Mudando de hemisfério, os Estados Unidos só ficam atrás da China na emissão dos gases de efeito estufa. Você acredita que o resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos [2016] pode interferir na perspectiva global das mudanças climáticas?
MB: Aparentemente sim, a gente só pode julgar o discurso dos dois candidatos e há uma diferença muito clara no discurso com relação ao posicionamento quanto à mudança climática e a própria permanências dos Estados Unidos dentro do Acordo de Paris a gente já passou por situações como essas em outros países importantes. O Canadá que hoje tem uma visão muito mais favorável, passou durante muito tempo por um governo que era contrário às ações de mitigação. A Austrália também que é um país tradicionalmente favorável ao combate à mudança climática, passou por um período também que a força política era contrária. Mas a minha impressão hoje é que isso já está de forma tão consolidada e aceita que se trata de um desafio global, que dificilmente um governante vai poder mudar fortemente essa balança. É claro que atrasa o processo, mas eu acho que o processo hoje ele é irreversível, dos países perceberem que é preciso mudar.
RB: Na sua fala de hoje, você chamou a atenção para que a sociedade receba informação de qualidade. Você acredita que a divulgação científica, ou seja, a gente levar para a sociedade aquilo que a gente produz dentro da academia,tem um papel também, no nosso pedacinho de contribuição para a redução das alterações globais, das mudanças climáticas?
MB: Eu acho que é fundamental. Eu acho que essa informação vai fazer com que a questão ambiental entre hoje na agenda política. A gente está saindo de um processo de eleição de prefeito [2016], muitas cidades talvez tenham segundo turno. Em dois anos a gente entra em um processo de eleição presidencial, eu acho que quanto mais as pessoas tiverem informadas, que meio ambiente tem sim um impacto direto sobre a minha qualidade de vida, tão importante quanto transporte, quanto saúde, eu acho que eles vão começar a cobrar mais que as pessoas se posicionem mais fortemente com relação à conservação do meio ambiente. Então, informação é fundamental. Percebo que existe uma nova geração, porque isso passou a fazer parte do currículo das escolas, mas como é uma área também de conhecimento que evolui tão rapidamente e continua passando informação, informação recente e informação atualizada isso alimenta o processo. Acho que essa iniciativa, por exemplo, de vocês [Revista Bioika] é muito importante, nessa direção.
Você pode conhecer mais sobre o trabalho desta incrível pesquisadora na página do seu laboratório. Acesse: http://bustamantelab.com.br/pt/mercedes-bustamante/
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LvQeYMUwWDY