Revista Bioika (RB): Professor, pode nos contar como foi sua escolha pelas Ciências Naturais e nos falar também sobre a sua formação e a escolha da sua área de pesquisa?
Angelo Antonio Agostinho (AA): A escolha por Ciências Naturais foi meio circunstancial. A gente sempre gosta de dizer "eu lutei", mas foi meio circunstancial que eu fui parar na Biologia. Na realidade, eu fui pra Londrina, fiz vestibular, passei em Farmácia-Bioquímica mas antes da primeira aula eu já pedi pra transferir pra Biologia. E aí, já em seguida já comecei a dar aula porque minha formação era mais de professor.
Eu fiz o ginásio e colégio que eram cursos de formação de professor. Aí depois eu fiz a Biologia também, a licenciatura. E aí, depois de formado, me formei em 1975 e em 1976, vim no meio do ano para Maringá como professor. Só graduado, mas no fim do ano eu já me inscrevi em uma pós-graduação na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, na área de Zoologia. E eu queria trabalhar com peixe na época, mas lá não tinha orientação nessa área e aí eu recorri a uma coorientação da Dra. Heloisa Godinho do Instituto de Pesca de São Paulo, e consegui fazer a tese com Ictiologia. Daí em diante eu trabalhei com Ictiologia indefinidamente, mas a Ictiologia foi sim uma escolha.
Depois, eu fui pro doutorado em 1982, logo quando a gente imaginou o Nupélia, quando começou a formar o Nupélia, quando a gente começou a trabalhar em Itaipu. Foi durante o meu doutorado que eu ainda fazia viajando. E foi aí que eu tendi mais para a parte de Biologia da Conservação e Ecologia. A minha ideia era Ictiologia pura mesmo, tanto assim que na época eu dava Zoologia na Universidade.
A escolha pela área de Biologia de Conservação ou Ecologia de Reservatórios - pra mim a Biologia de Conservação realmente é a junção da Ecologia com o manejo – (vem desde) o mestrado, quando eu já trabalhava com peixe em reservatório, isso lá em 1976, 1977. Então, toda a escolha que fiz foi pela Ictiologia e depois pela área de Conservação.
RB: Você vê as espécies invasoras como uma possível alternativa para diminuir a fome no mundo atual?
AA: Eu não acredito. As espécies invasoras são a base da nossa alimentação, do nosso vestuário, do nosso dia a dia. Claro que isso é verdadeiro. Mas eu não acredito porque o alimento pode chegar do almoço pra janta em diferentes pontos do mundo com as facilidades que se tem de transporte hoje. E a gente produz alimentos suficientes para alimentar todo mundo.
O problema que tem é o problema na concentração de renda, na concentração de produção (e) no desperdício que se tem. Então eu acho que esses são os problemas maiores. E também a concentração de informações. Na realidade, tem países que tem o nível de informação pra produção muito maior do que outros e isso também faz uma diferença razoável.
Não acredito que as espécies invasoras, em si, tenham alguma coisa a ver com isso. As espécies que já estão incorporadas no sistema produtivo já são suficientes pra manter a população do mundo todo. Então, eu realmente não acredito nisso. A solução, portanto, não deve estar em introdução. Como tem demonstrado várias introduções que têm sido feitas como solução, "a aquicultura brasileira está resolvida agora com o bagre africano" - não deu em nada. Com a carpa, não deu em nada. Com a tilápia, estão se batendo. Pra você produzir alimento suficiente de maneira rentável baseado em tilápia, você vai ter que ter grande escala. Você não consegue em pequena escala fazer isso. Então, introdução de espécies está provado que não é realmente a solução.
RB: Considerando o panorama político, como você acha que a população pode influenciar na conservação e manejo da biodiversidade da América Latina?
AA: Bom, eu acho que a primeira coisa que a população deve ter é a dimensão correta do tamanho do problema das introduções de espécies. Eu acho que esse é o primeiro passo. Depois disso, é criar demandas de políticos, de agentes controladores de qualidade ambiental, dos gestores de meio ambiente. Ou seja, de empresas que têm concessão de usar o meio ambiente. Então, acho que aí a população deveria criar suas demandas em cima do conhecimento que ela teria.
Acho que o primeiro passo realmente seria ela tomar conhecimento da importância do problema. Agora, a gente sabe que isso é muito difícil no panorama que a gente tem hoje. Nós sabemos que hoje você tem grande parte dos políticos representando uma parcela bem abastada da população. E eles trabalham essencialmente pra essas pessoas. Não pensam na sociedade como um todo. Uma boa parte dos políticos que estão no comando, né? Então, normalmente essa parte abastada está em lucro, por exemplo, com a degradação dos habitats. Isso é lucrativo em um primeiro momento. Em um curto prazo de tempo, a devastação do meio ambiente é lucrativa para alguns. E o que a gente tem, a gente sabe disso né, tem muitos políticos que estão beneficiando, que estão representando esse setor da população que tem uma exploração irracional do meio ambiente. Então, o que eu acho é que a população tem que estar ativa para isso e pra estar ativa tem que realmente saber o problema.
RB: O que você diria pra motivar as pessoas que querem seguir carreira na ciência diante de um período em que esta tem sido até menosprezada (e) existe até um negacionismo
AA: Bom, eu poderia dizer que a ciência é uma atividade de pesquisa, de modo geral, fascinante.
Nos dias atuais está mais difícil ainda fazer ciência em função do tamanho do desafio que a gente tem e da quantidade de recursos que a gente recebe. E os avanços que a gente consegue fazer ainda são muito pequenos em relação ao que é necessário. Mas, eu poderia dizer que sempre vale a pena. Mesmo que se mova um pouco adiante, vale a pena. Então, se existe um recado pra dar para os jovens, seria esse o recado. Mesmo com todas essas dificuldades, fazer ciência ou trabalhar com Ecologia e Conservação ainda vale a pena e é necessário que alguém que parte dos estudiosos se encaminhe pra essa área.
RB: Na área da Ecologia, em que tipo de pesquisas deveriam se pôr mais esforços?
AA: A pesquisa, mesmo básica ou aplicada, vai ter sua relevância. Mas na nossa área, eu acho que a maior carência ainda está em avaliar as práticas e técnicas de monitoramento e conservação. Eu acho que ainda fazemos muita coisa errada nessas áreas. Errada por serem ineficientes, errada por poder causar mais impacto. Então, eu acho, por exemplo, que pesquisas que levam a produção de protocolos de manejo ou protocolos pra conservação são importantes. Pesquisas que revelam as áreas que são mais importantes pra conservação, que indiquem essas áreas. Pesquisas que auxiliem os órgãos públicos a fazer o monitoramento de avaliação de impacto. Acho que todas essas áreas são pesquisas que valem a pena. Mesmo pesquisas que chequem a relevância de medidas de mitigação como, por exemplo, peixamento, escadas e sistema de transposição. Ou conservação de habitats, de tributários e áreas críticas. Ou seja, todas essas pesquisas são áreas ainda em aberto que ainda carecem de bastante avanço.
RB: Sabemos que você já teve experiência junto aos órgãos ambientais, principalmente com os tomadores de decisão sobre as questões ambientais. Poderia nos contar como é estar, de fato, em contato com essa esfera da sociedade?
AA: É, de fato eu tenho atuado desde o meu mestrado junto a diferentes categorias, tanto o órgão de controle ambiental, como o concessionário de serviços públicos, como o Ministério Público. Acho que eu tenho trabalhado com esses três setores desde uns 30, 40 anos (atrás).
A primeira vez foi quando eu ainda estava no mestrado, quando teve um simpósio nacional para definir os rumos da aquicultura e da pesca. Isso foi em 1978. Então, desde aquela ocasião, eu estou hoje desenvolvendo isso com alegrias e com tristezas, com sucessos e insucessos. Você tem, por exemplo, no caso de concessionárias, em geral a gente tem tido muito sucesso, desde que a gente participou dos eventos do COMASE, do Comitê Assessor do Setor Elétrico, a gente tem tido sucesso. Mas tivemos também insucessos, como por exemplo, levar o relatório avaliando uma determinada atividade da empresa, e em troca disso perder todos os projetos que nós tínhamos com aquela empresa, porque eles não gostaram do resultado e mataram o mensageiro. Essa é a conclusão que a gente tira. Então, com a concessionária a gente também já teve frustrações.
Com os órgãos de controle ambiental, tivemos também muitas reuniões, creio que a gente pode ajudar bastante nessas discussões. Participamos de inúmeras reuniões durante esse tempo todo, mas também tivemos revezes. Nós tivemos, por exemplo, na Portaria 145, sobre introdução de espécies. Eu participei de toda discussão e ela saiu até razoável, só que fizeram um complemento depois que a gente saiu, que são as espécies detectadas nas diferentes bacias. Aí colocaram tilápia na Amazônia, espalharam as espécies que foram detectadas em algum lugar na bacia e, até hoje, isso é usado como argumento pra fazer novas introduções, porque a espécie já foi detectada. Só que a nossa briga durante todo o tempo foi de que o que valeria seriam espécies instaladas, estabelecidas, mas depois mudaram. Então, esse foi um grande insucesso.
Mas teve muitas outras coisas que foram sucesso. Com o Ministério Público também, por desconhecimento deles, tiveram alguns revezes que eu preferiria nem comentar aqui. Mas também tivemos sucesso aliado ao Ministério Público como, por exemplo, nessa luta que todos nós participamos de segurar a construção de hidrelétricas em alguns rios que são vitais. Não só aqui, mas no Tocantins também a gente participou com o Ministério Público. Então, graças a isso não foi construído, está em rediscussão novamente, mas pelo menos segurou durante bastante tempo a instalação de um empreendimento que causaria um prejuízo muito grande.
Então, nós tivemos, com todos esses setores, alegrias e tristezas, vamos dizer assim. Mas, acho que no fundo o saldo foi altamente positivo.
RB: Em geral, essas pessoas aceitam bem as informações científicas que os pesquisadores apresentam?
AA: Sim. Os órgãos de controle ambiental são bem abertos a isso. Tanto assim é que a gente já deu cursos completos, por exemplo, cursos de Ecologia de Reservatórios nós já demos no IBAMA duas vezes. Já demos no Amapá uma vez e trabalhamos em cooperação com outros órgãos, como as SEMAS estaduais. Não trabalhamos muito com o IAP aqui no Paraná, não sei porque, mas não trabalhamos muito. Mas, com os estados vizinhos, a CETESB por exemplo, em São Paulo, temos um curso lá. Então, a gente teve oportunidade. Eles são acessíveis a isso e eles estão dispostos a discutir isso. Então, essa atuação junto aos órgãos de controle ambiental, normalmente é muito bem sucedida. Porque a gente leva a eles as informações que eles ainda não têm. Ou, pelo menos, a gente participa de discussões, a gente muitas vezes faz isso de sugerir, inclusive, que dentro de uma discussão, de um problema que eles têm que decidir, leve a diferentes visões. A gente tem participado de reuniões com eles com visões totalmente antagônicas sobre o mesmo problema, como o sistema de transposição de peixes. Há umas duas ou três vezes que a gente tem juntado pessoas diferentes, sugestão nossa, porque a discussão sempre é muito boa. A discussão presencial, com todos os envolvidos, sempre é muito boa, enriquecedora. O que não dá é uma discussão que você não tem condições de se apresentar, ou uma afirmação que você não tem condições de apresentar.
Não tem tido problema não, com os órgãos de controle ambiental, não. Agora, quando a pessoa não quer ouvir o que você está falando, por exemplo, alguns setores ou mesmo concessionária, ou mesmo Ministério Público, às vezes não quer ouvir por outros interesses. Ou porque está advogando uma coisa oposta do que você está falando, no caso do Ministério Público, ou porque ele vai ter prejuízos com aquilo que você está falando. Então, isso pode acontecer também. Mas, no geral, em todos os setores, você pode interagir e resultar em benefício.
RB: Uma espécie invasora aquática que te preocupa
AA: Eu acho ainda a tilápia. Embora o tucunaré seja um grupo de espécies que cause mais prejuízos instantâneos, o prejuízo dele é mais localizado. Agora, a tilápia se expande extraordinariamente. A força de propágulo de tilápia é muito maior do que do tucunaré. E a possibilidade de ela entrar em um ambiente é muito maior.
RB: Um livro sobre espécies invasoras mesmo tem o livro do Simberloff, né?
AA: Tem vários, né? Do Simberloff que eu acho bem interessante, mas o que eu mais gosto, o que mais deu prazer de ler foi realmente “O Canto do Dodô” (David Quammen, 1996). Esse foi realmente o livro que eu mais gostei de ler. Ele é sobre conservação de um modo geral, mas ele dá um destaque especial pra espécies invasoras. Então, eu gostei muito desse livro. A linguagem é muito boa. Eu recomendo.
RB: Seu autor preferido sobre espécies invasoras
AA: Acho que Simberloff. Simberloff é o ídolo dos trabalhos de invasões. Eu acho que ele é realmente um dos melhores. É o melhor, eu acho.
RB: Qual disciplina ministrada preferida?
AA: Acho que foi Biologia da Conservação. Principalmente pra graduação. Na pós-graduação também. Na pós-graduação fica mais elaborado, você não fala tanto mais as coisas simples, né?... Eu gostei de dar aquela aula.
RB: Se não fosse biólogo, seria... ou não tem possibilidade
AA: Não, não tem. Acho que não. Eu teria sido biólogo mesmo. Eu não me vejo em outra área. Quando eu era menino eu queria ser jornalista, mas hoje eu não me vejo em outra área. Faria tudo de novo.
RB: Uma personalidade que admira
AA: Vários. McConnell eu admirava muito. Rosemary McConnell. Winemiller, uma pessoa que eu admiro muito. Tem muitas pessoas.
RB: Deixaria esses dois nomes?
AA: Na ciência esses dois eu deixaria, embora poderia acrescentar outros também, mas acho que esses dois agora. Tem muitas outras personalidades que eu admiro.
RB: Você tem um hobby?
AA: Não tenho, gostaria de ter, mas não tenho.
RB: Time de futebol
AA: Santos Futebol Clube. Que tem trazido muitas alegrias e tristezas também como tudo na vida!