Entre redes neurais e ecológicas: o futuro da conservação na inteligência artificial

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Acompanhada de promessas e riscos, a inteligência artificial entra em cena na proteção da biodiversidade.



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Representação abstrata e virtual de um fragmento de ecossistema gerado por computador.

As inteligências artificiais estão se tornando ferramentas cada vez mais comuns para solucionar problemas complexos na conservação da biodiversidade. Suas principais vantagens incluem a capacidade de rapidamente propor soluções para desafios complexos e se adaptar a um mundo altamente mutável e com recursos limitados.

O potencial da inteligência artificial para a conservação da biodiversidade

Com o avanço exponencial na quantidade de dados ecológicos disponíveis, a capacidade humana de processar e interpretar tais informações tem se tornado lenta. Em resposta, métodos de inteligência artificial, como aprendizado de máquina, redes neurais e, mais recentemente, os modelos de linguagem de larga escala (LLMs, do inglês Large Language Models), vêm se destacando como soluções eficazes para análises ambientais e apoio à tomada de decisão.

Dentre as inteligências artificiais, LLMs como ChatGPT, Gemini e DeepSeek revolucionaram a maneira como lidamos com informações. Esses modelos são capazes de extrair padrões em textos científicos, relatórios e bancos de dados ambientais, contribuindo para a geração de conhecimento ecológico, previsão de impactos, monitoramento da biodiversidade e até tradução de conteúdos científicos entre idiomas —democratizando o acesso ao conhecimento em regiões com barreiras linguísticas ou tecnológicas.

Há também esforços em curso para o desenvolvimento de LLMs especializados em ecologia, ajustados com conhecimento científico atualizados1. Esses modelos prometem maior precisão na compreensão de conceitos ecológicos complexos e melhor apoio à formulação de políticas públicas de conservação.

Além dos LLMs, outras vertentes da inteligência artificial têm se destacado na conservação da biodiversidade, como o aprendizado profundo (Deep Learning). Essa abordagem, baseada em redes neurais, tem se mostrado extremamente eficaz para tarefas como classificação de imagens e sons, modelagem ecológica e análise de comportamento animal2,3. Câmeras automáticas, drones, gravadores acústicos e sensores ambientais geram grandes quantidades de dados que, analisados por algoritmos avançados, permitem identificar espécies, monitorar populações e até detectar doenças visíveis em plantas e animais.

Tais métodos têm sido aplicados para estimar abundância populacional, classificar atividades comportamentais de animais em vídeos, detectar vocalizações específicas e até prever mudanças em redes alimentares ou serviços ecossistêmicos. Eles têm se mostrado especialmente eficazes para revolucionar o reconhecimento e o monitoramento automático de espécies e populações em florestas, oceanos e áreas agrícolas.

Na gestão de ecossistemas, técnicas de aprendizado profundo têm sido empregadas para mapear mudanças na paisagem, avaliar cobertura vegetal, monitorar recifes de coral e detectar atividades humanas, como pesca ilegal ou tráfico de animais. Combinadas a imagens de satélite e sensores remotos como LIDAR, essas abordagens permitem estimativas precisas de carbono armazenado, produtividade vegetal e identificação de áreas prioritárias para conservação2,3.

Inovações, usos práticos e desafios globais

Uma das inovações mais promissoras no uso da inteligência artificial para a conservação é o desenvolvimento de sistemas que simulam políticas adaptativas em cenários reais. Esses sistemas permitem considerar variáveis complexas, como mudanças climáticas, pressões antrópicas e restrições orçamentárias, oferecendo alternativas mais dinâmicas e eficazes às abordagens tradicionais. Ao incorporar a dimensão temporal e a natureza multifacetada dos ecossistemas, tais soluções ampliam significativamente o potencial de planejamento estratégico para conservação3.

De forma complementar, a integração da inteligência artificial em áreas como ecologia industrial tem contribuído para o avanço do desenvolvimento sustentável4,5. Métodos baseados em modelagem preditiva, análise de dados e mineração de texto vêm sendo aplicados para prever tendências, otimizar o uso de recursos, reduzir emissões e promover práticas de economia circular. Essas ferramentas também ajudam a identificar padrões emergentes, tópicos prioritários e interconexões entre sustentabilidade e conservação ambiental.

Na vanguarda dessa revolução estão os países asiáticos. Estudos bibliométricos atuais revelam uma rápida expansão das aplicações de inteligência artificial no campo ecológico em países como China, Coreia do Sul e Índia. Essas nações têm se destacado em aplicações práticas voltadas à gestão ambiental, monitoramento em larga escala e projeções climáticas. Já países ocidentais —incluindo os da América Latina— tendem a liderar no desenvolvimento teórico e metodológico dessas tecnologias6.

Essa diferença revela não apenas desigualdades econômicas e tecnológicas, mas também oportunidades estratégicas. A rápida transferência e adaptação de tecnologias desenvolvidas em contextos mais avançados para realidades locais pode acelerar significativamente os esforços de conservação em escala global.

Esses esforços serão frutíferos se os pesquisadores mantiverem seus pês na terra, não apenas em relação aos dados e seu tratamento (o que faz sentido em um contexto socioecológico certamente difere em outro e isso deve constituir camada de análise e interpretação), mas também em relação ao impacto da tomada de decisões sobre o campo, o quão próximas ou distantes acontecem dos que efetivamente derrubam ou restauram, destroem ou conservam7

Ainda assim, os riscos associados ao uso indevido ou acrítico dessas ferramentas permanecem, principalmente aqueles relacionados a vieses nos dados de treinamento(a), geração de informações falsas e à credibilidade de soluções automatizadas sem supervisão humana.

Algumas críticas ao uso de inteligências artificiais dizem respeito à crescente dependência que desenvolvemos em relação a essas ferramentas—uma dependência que, por sua vez, tem gerado problemas cada vez mais complexos. Entre os exemplos mais evidentes estão os problemas associados ao uso indiscriminado dos LLMs, hoje amplamente presentes em nosso cotidiano. O uso excessivo desses modelos pode acarretar efeitos cognitivos negativos em humanos, como menor engajamento neural, redução na sensação de autoria e declínio da memória e do pensamento crítico, especialmente em ambientes educacionais8. Além disso, o treinamento e a operação dessas ferramentas exigem enorme capacidade computacional, o que resulta em impactos ambientais relevantes. Estima-se que até 2027 as inteligências artificiais consumam entre 4,2 e 6,6 bilhões de metros cúbicos de água —um volume equivalente à metade do consumo anual do Reino Unido9.

Diante desse cenário, a inteligência artificial surge como uma aliada poderosa da ciência da conservação. Seu uso, no entanto, deve ser pautado por responsabilidade, sustentabilidade e complementaridade com o conhecimento humano. Técnicas baseadas em algoritmos de aprendizado, processamento de dados e redes neurais devem ser aplicadas com discernimento, reconhecendo tanto seu potencial transformador quanto seus limites éticos, metodológicos e ambientais. A nova era da conservação não pode prescindir da inteligência humana —crítica, sensível e contextual— como guia para o uso responsável dessas tecnologias emergentes.

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Para mais informações:

  1. Daniele Silvestro et al. 2022. Improving biodiversity protection through artificial intelligence. Nature Sustainability 5, 415–424
  2. Stéphane Christin et al. 2019. Applications for deep learning in ecology. Methods in Ecology and Evolution 10, 1632–1644
  3. Gennady V. Gazya et al. Artificial Intelligence Systems Based on Artificial Neural Networks in Ecology. In: Cybernetics Perspectives in Systems, 2022, v. 3, p. 149–158
  4. Monica Uwaga et al. 2024. Artificial intelligence in environmental conservation: evaluating cyber risks and opportunities for sustainable practices. Computer Science & IT Research Journal 5, 1178–1209
  5. Yuliang Gong et al. 2025. The evolution of research at the intersection of industrial ecology and artificial intelligence. Journal of Industrial Ecology 29, 440–457
  6. Masayuki Ryo. 2024. Ecology with artificial intelligence and machine learning in Asia: A historical perspective and emerging trends. Ecological Research 39, 5–14
  7. Brookfield, H. On the Environment as Perceived. Progress in Geography 1: 51–80, 1969
  8. Natalia Kosmyna et al. 2025. Your Brain on ChatGPT: Accumulation of Cognitive Debt when Using an AI Assistant for Essay Writing Task. arXiv 2506.08872
  9. Pengfei Li et al. 2023. Making AI less «thirsty»: Uncovering and addressing the secret water footprint of AI models. arXiv 2304.03271


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