Imagine um campo de pastagem aberta com uso compartilhado entre várias pessoas de uma comunidade de criadores de gado. Na busca de lucro, cada um pode livremente decidir aumentar o número de seus animais. No início, essa liberdade para empreender parece vantajosa. Mas com o tempo, o capim não se regenera, o solo se esgota, e o pasto morre. Quando cada um age pensando apenas no próprio benefício e com a ideia de que se não o fizer o vizinho fará, o recurso coletivo se destrói e todos perdem. Essa é uma metáfora da “Tragédia dos Comuns”, uma expressão consagrada após a publicação do famoso artigo do biólogo americano Garrett Hardin, em 1968. No sentido clássico, a palavra tragédia remete a uma situação cujo desfecho é inevitável: uma vez iniciado o curso dos acontecimentos, não há como impedir seu fim, geralmente trágico. Assim como nas tragédias gregas, o final funesto é previsto, mas nada pode ser feito para evitá-lo.

Hardin identificou um padrão que está por trás de grande parte dos problemas ambientais contemporâneos. Sempre que um recurso natural de uso comum é aberto ao acesso irrestrito e sem controle, a competição entre os usuários tende a levá-lo à exaustão. Em seu artigo, Hardin exemplifica uma situação na qual cada criador que utiliza a pastagem para alimentar seu rebanho tem, em teoria, o interesse coletivo de preservar esse recurso. No entanto, como a entrada é livre e não há restrições no uso, nenhum indivíduo consegue impedir que os outros também explorem livremente o pasto. O benefício de adicionar mais um animal é exclusivo do proprietário, mas o custo do desgaste do pasto é compartilhado por todos. Assim, de forma autodestrutiva, todos são incentivados a aumentar ao máximo o número de animais, até que, inevitavelmente, o pasto se degrade completamente.
Recursos comuns como águas superficiais ou subterrâneas, florestas e estoques pesqueiros são, por definição, finitos e sujeitos à degradação quando não há mecanismos efetivos de controle de uso. Por isso, políticas públicas visando garantir o uso sustentável desses bens são indispensáveis, incluindo medidas de gestão através do controle, tributação, precificação e aplicação de penalidades. Nesse contexto, o Brasil vive atualmente uma versão moderna e dramática da tragédia dos comuns, e ela atende por um nome oficial: Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado por muitos como PL da Devastação. Esse projeto de lei, recentemente aprovado no Senado brasileiro, pretende flexibilizar as regras do licenciamento ambiental, justamente o instrumento que ajudaria a evitar tragédias como as de Mariana e Brumadinho em 2015 e 2019 respectivamente, que provocaram milhares de mortes e calamidades ecológicas, além de danos socioeconômicos irreparáveis. Entre suas propostas mais alarmantes, estão a possibilidade de autolicenciamento (em que empresas ou empreendedores podem sozinhos fazer seu licenciamento, sem estudos prévios), a dispensa total de licenciamento para atividades agropecuárias, bem como a criação de licenças especiais para empreendimentos considerados “estratégicos”, mesmo que representem riscos ambientais. Na prática, o PL abre as porteiras para o uso predatório de bens comuns, como florestas, rios, fauna e clima em nome do "progresso", do livre empreendimento e do lucro fácil de poucos. Tudo isso sob o pretexto de "desburocratizar o desenvolvimento" ignorando o custo coletivo, na forma de aumento do desmatamento, colapso da biodiversidade, contaminação da água e do solo, exaustão dos recursos naturais e o agravamento das mudanças climáticas. O motivo alegado é a demora no processo de licenciamento, que de fato decorre, na maioria das vezes, da baixa qualidade dos documentos de avaliação ambiental apresentados, que devem ser reformulados e ao que chamam burocracia.
Sem instrumentos eficazes de regulação, como esperar que potenciais poluidores atuem com responsabilidade e limitem voluntariamente seus impactos sobre o meio ambiente? É como se o Brasil, em nome da competitividade, dissesse: "explorem à vontade, depois a gente vê no que dá". Mas já estamos vendo. E sentimos na pele: ondas de calor extremo, enchentes cada vez mais violentas, secas prolongadas e a insegurança alimentar crescendo no campo e nas cidades. O PL da Devastação é um projeto de futuro insustentável. É a institucionalização da tragédia dos comuns em escala nacional.
Num país que deveria liderar a transição para um modelo de desenvolvimento sustentável e justo, essa proposta vai na contramão da ciência, do bom senso e da justiça social. Ela entrega nossos bens naturais a interesses privados, deixando o custo social e ambiental para as futuras gerações.

A tramitação, pretendida como de urgência para impedir discussões mais aprofundadas, cria uma situação paradoxal, dado que estará acontecendo a menos de seis meses da COP-30, que deverá ocorrer em Belém, sob as sombras da Floresta Amazônica, considerada a maior vítima desse projeto de lei.
Assim, o enfraquecimento do licenciamento ambiental deve acender um sinal de alerta em toda a sociedade. Afinal, sem regras claras e fiscalização rigorosa, os recursos naturais comuns permanecem vulneráveis, e o risco de novas tragédias se torna ainda mais iminente.