As queimadas no período seco
Durante a estação seca, é comum o aumento de queimadas em áreas naturais e rurais. Esses incêndios, muitas vezes provocados por ação humana, intencional ou acidental, ocorrem em ambientes com grande disponibilidade de matéria vegetal, como pastagens, matas e cerrado no Brasil. O fogo se espalha com maior facilidade quando a umidade do solo e do ar está baixa e quando há ventos fortes, o que contribui para aumentar sua intensidade e velocidade de propagação.
Além da destruição da vegetação e da ameaça à fauna, as queimadas deixam para trás um resíduo menos visível, mas altamente impactante: as cinzas. Compostas por fragmentos inorgânicos resultantes da combustão da matéria orgânica, essas partículas podem conter nutrientes como fósforo, potássio, cálcio, além de metais pesados como zinco e cobre. A composição exata das cinzas depende das características da vegetação e do solo queimados. Estes nutrientes contribuem para o funcionamento dos organismos vivos, como por exemplo o crescimento das plantas (terrestres e aquáticas). Embora todos sejam nutrientes essenciais em determinadas concentrações, tornam-se tóxicos quando acumulados em excesso.
Por serem muito leves, as cinzas são facilmente transportadas pelo vento e pela chuva. Assim, podem percorrer grandes distâncias e acabar se depositando em corpos d’água, como rios, lagos e lagoas, contribuindo com o aporte alóctone, podendo alterar a qualidade da água e afetar diretamente os organismos que nela vivem.
Os ambientes aquáticos e as microalgas
Ambientes aquáticos continentais, embora ocupem uma fração muito pequena da superfície do planeta se comparados aos oceanos, são de impor-tância ecológica imensa. Rios, lagoas, lagos e brejos abrigam uma biodiver-sidade riquíssima, funcionando como verdadeiros oásis para a fauna, a flora e até para as comunidades humanas.
Dentre os principais organismos desses ambientes estão as microalgas, seres microscópicos, muitas vezes invisíveis a olho nu, na maioria unicelulares, capazes de fazer fotossíntese e que possuem um papel fundamental na base das cadeias alimentares aquáticas. Esses organismos produzem oxigênio, assimilam nutrientes e servem de alimento para inúmeros organismos, como zooplâncton e pequenos peixes.
Além disso, por apresentarem ciclos de vida curtos e responderem rapidamente às mudanças nas condições ambientais, como variações na luz, tem-peratura, pH e nutrientes, as microalgas são consideradas excelentes bioin-dicadoras. Ou seja, são organismos ideais para estudar o impacto de fatores ambientais, como a chegada de cinzas, sobre os ecossistemas aquáticos.
Um experimento para responder uma grande pergunta
Para entender como as cinzas de queimadas afetam a qualidade da água e as comunidades de algas microscópicas, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás realizaram um experimento controlado em laboratório, utilizando aquários de vidro preenchidos com água e microalgas coletados no lago Samambaia, em Goiânia1.
As microalgas foram adicionadas nos aquários e passaram por um período de adaptação no novo ambiente. Em seguida, foram adicionadas diferentes quantidades de cinzas da vegetação queimada à água dos aquários: nenhum acréscimo (controle), uma dose baixa, intermediária e alta. Também foram preparados aquários apenas com água deionizada (água purificada para retirada de minerais) e cinzas, para verificar diretamente o efeito das cinzas nas concentrações de nutrientes.
Durante 20 dias, a equipe monitorou a qualidade da água, medindo características físicas e nutrientes, e coletou amostras de microalgas em diferentes momentos. Isso permitiu acompanhar de que forma as cinzas modificavam o ambiente aquático e o conjunto das espécies de microalgas ao longo do tempo.
Os resultados mostraram que a presença de cinzas aumentou as concentrações de nutrientes e alterou as características físicas e químicas da água. Ao todo, foram identificados 242 tipos de microalgas, com mudanças claras no conjunto de espécies entre os diferentes aquários. Também foram registradas variações no número de espécies, especialmente em algas verdes e desmídias, e na quantidade de espécies, como algas verdes, diatomáceas, desmídias e cianobactérias. Estas variações dependem da quantidade de cinzas depositadas nos aquários.
Essas descobertas indicam que as cinzas de queimadas podem afetar significativamente a qualidade da água e as microalgas, dependendo da quantidade depositada. O estudo serve como base para futuras pesquisas sobre os efeitos do fogo em ecossistemas aquáticos e destaca a importância de experimentos de maior duração, capazes de revelar impactos tardios no conjunto de espécies de microalgas.
Experimentos: ferramentas para a ciência e para a educação
Mais do que uma ferramenta de pesquisa, experimentos como este têm grande valor educativo, pois permitem observar de forma prática como funciona o método científico: ao formular perguntas, testar hipóteses e analisar resultados, é possível compreender relações de causa e efeito que existem na natureza. Essa abordagem estimula a curiosidade, o pensamento crítico e a criatividade, mostrando que os princípios da experimentação podem ser aplicados não apenas em laboratórios, mas também em atividades do dia a dia, da biologia à química e até no cotidiano.
Dessa forma, estudos experimentais contribuem tanto para a ciência quanto para a educação, aproximando crianças, jovens e a sociedade do conhecimento sobre o funcionamento dos ecossistemas e os impactos das ações humanas sobre o meio ambiente.
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Para mais informações:
- 1. De Jesus, G. S., Machado, K. B., Carvalho, P., Nabout, J. C., Bortolini, J. C. (2024) Effect of abrupt post-fire ash inputs on water quality and the phytoplankton Community in lentic freshwater. Freshwater Biology, 69(11): 1702-1715. https://doi.org/10.1111/fwb.14337

