A cada dia, enfrentamos um fluxo informacional quase infinito que traz consigo a desinformação e as fake news, além da aceitação gradativa da inteligência artificial (IA) com suas vantagens e desvantagens. No primeiro caso, estão a capacidade de acelerar a automatização de tarefas; maior assistência às tarefas essencialmente criativas; personalização de variadas experiências; monitoramento de sinais fisiológicos e análise de exames de imagem, no campo médico e similares; tecnologias assistivas bem mais eficientes e eficazes. Como desvantagens centrais: incremento do desemprego estrutural e da desinformação; maior desigualdade social; consolidação de preconceitos e vieses sociais; indefinição sobre os sagrados e invioláveis direitos autorais; e maiores riscos à invasão de privacidade.
No que diz respeito às fake news, que fazem a festa nas redes sociais, entre as notícias nada animadoras, vez por outra, a chegada do fim de mundo – tema que causa temor entre os seres humanos. Um exemplo é analisado por Thiago Signorini Gonçalves1, ao discutir, com perspicácia e propriedade, o poder das fake news, em especial, sobre a iminente ameaça do asteroide 2016 WF9 contra a vida na Terra, previsto, exatamente, para o dia 16 de fevereiro de 2017, evidenciando o fosso profundo que separa a comunidade científica do público leigo.
Nesta linha, exemplo também representativo é o caso envolvendo a bela e charmosa Chapada dos Veadeiros, reconhecida pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade, na condição do mais antigo patrimônio geológico da América do Sul. Distante cerca de 230 quilômetros da capital do Brasil, Brasília, a Chapada constitui território imenso, que se estende por oito municípios do Noroeste de Goiás, Centro-Oeste do país. Destaque para três deles – Alto Paraíso de Goiás, Vila de São Jorge e Cavalcante – que concentram a maior parte das atrações, incluindo o Parque Nacional, com cachoeiras, cânions, vales, rios, piscinas naturais de águas termais e paisagens exóticas.
A quantidade de “forasteiros”2 é curiosamente grande. Há cidadãos das cinco regiões brasileiras, além de visitantes de nações vizinhas, como Argentina, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. A Vila de São Jorge é o destino preferido dos que se encantam com a aura de misticismo que recobre o dia a dia da Chapada dos Veadeiros em busca de paz interior em meio às chamadas ondas de luz. A força da espiritualidade está por toda parte. Para se ter ideia, somente em Alto Paraíso, há, aproximadamente, 40 grupos místicos, filosóficos ou religiosos, que tendem a crer na vida extraterrena. São budistas; daimistas (seguidores do santo-daime); evangélicos; espíritas e oshoístas, estes últimos adeptos do polêmico guru indiano Osho.
Em plena virada do milênio, ano 1999, os Cavaleiros de Maytrea que frequentam o místico Jardim de Maytrea, espalharam o boato de que o fim do mundo se aproximava. A Chapada dos Veadeiros seria o único lugar que salvaria as pessoas frente ao mar revolto e a um tsunami global que devastaria cidades após cidades. Isto por causa de seus quatro altos pontos de espiritualidade – Paralelo 14, gigantesca placa de quartzo, proteção constante dos extraterrestres como seres superiores e exuberante fonte de energia – e, também, devido à sua localização, haja vista que ela constitui o ponto mais elevado do Planalto Central, situando-se e 1.700 metros acima do nível do mar e no centro do continente sul-americano. Não parou por aí. Adiante, mais uma vez, em 21 de dezembro de 2012, a Chapada atraiu nova multidão. Pessoas de diferentes recantos chegaram por lá, acreditando que seria o último dia de suas vidas, uma vez que o calendário maia assinalava a data como o fim de um ciclo de 5.125 anos. Era o prenúncio do fim mundo. Não foi desta vez! Nada ocorreu!
São episódios emblemáticos...
… de como o misticismo exagerado e a crença em notícias não factíveis podem impactar o cidadão. São situações que causam temor, medo, susto e grande alvoroço. Quase sempre tais boatos evidenciam, de forma assombrosa, a deficiência da chamada educação científica, que permite ao cidadão, nas mais diferentes fases da vida, delinear a função da ciência e tecnologia (CeT) em prol da coletividade. Isto porque, o ensino fundamental e o ensino médio não favorecem a crianças, adolescentes e até a adultos (aqui, quase sempre inseridos na malha da educação de jovens e adultos, EJA) uma formação basilar ancorada na leitura crítica diante das informações a eles “impostos”, o que os conduzem ao ensino superior e/ou ao mercado de trabalho sem entendimento profundo e certeiro dos benefícios acarretados pelo binômio CeT. Quer dizer,
quando o aprendizado das ciências [...] é visto como enfadonho por boa parte dos jovens, o golpe contra a curiosidade científica pode ser duro1
A este respeito, acadêmicos, jornalistas e intelectuais das mais distintas áreas acusam os cientistas de não investirem nem maciçamente nem significativamente na comunicação científica com o fim de difundir o produto de seu trabalho na esfera da sociedade extrapolando os altos muros que cercam a comunidade científica, como obra clássica de Meadows3. Em outras palavras, o desconhecimento que paira em relação à missão da ciência tem relação direta com o comportamento distante dos próprios cientistas quanto à população como um todo. É uma situação complexa que tem cara de “jogo de culpas”: enquanto muitos acusam os pesquisadores de alimentarem visível elitismo e distanciamento, eles dão o troco ao denunciarem, com veemência, árdua sobrevivência mediante o enfrentamento cotidiano de poucos recursos e muitas dificuldades. Eis, segundo eles, a realidade de universidades e institutos brasileiros de pesquisa, onde faltam laboratórios bem equipados e sobram promessas.
De qualquer forma, independentemente de culpas compartilhadas ou trocadas como farpas argutas, eis sérios questionamentos – como conseguir que governantes e legisladores invistam em ciência e tecnologia (C&T) se não conhecem os resultados de estudos e pesquisas empreendidas? Como conseguir a adesão da população se coletividade ou cidadãos não conhecem os resultados de estudos e pesquisas empreendidas? A resposta é que, diante do distanciamento que se aprofunda entre o cientista e o cidadão comum, há acentuada intenção de fortalecer a visão estereotipada e grandiosa do cientista de lá de fora, sobretudo, dos norte-americanos e europeus. Na circunstância alusiva ao asteroide 2016 WF9, citada no início deste artigo, o cientista russo manteria ligação com a agência espacial americana, a NASA, o que por si só garantiria a credibilidade da falsa notícia – fim do mundo – espalhada em vários países, apesar do desmentido oficial, no contexto nacional, da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB) por meio da Comissão de Ensino e Divulgação (COMED)4.

São medidas urgentes...
…para sanar o desprestígio que ronda a CeT brasileira tanto investir na educação científica desde a tenra idade dos alunos do ensino fundamental e, mais adiante, do ensino médio e do ensino superior, quanto investir na divulgação científica, através de recursos, estratégias, técnicas e instrumentos empregados para difundir informações junto ao maior número de pessoas, como o faz o jornalismo científico5,6. Apesar de ser consensual o investimento no campo educacional, é possível que poucos visualizem quão vital é lutar para que a população acompanhe os feitos de cientistas e tecnólogos em território brasileiro. Decerto, atitude mais séria no que concerne à educação científica e à comunicação científica aproximará governantes e população dos resultados alcançados no campo da CeT, posicionando o cientista como elemento propulsor do desenvolvimento de povos e países e atento às devastadoras fake news e temerosas produções via IA. Assim seja!
Isso foi útil?
Para mais informações:
- 1. Gonçalves, Thiago Signorini. É o fim do mundo. Veja, São Paulo, p. 92-93, 12 abr. 2017. Página Aberta.
- 2. Targino, M. das G. Chapada dos Veadeiros: oásis brasileiro de beleza e glamour. In: TARGINO, M. das G. Embarques e desembarques: relatos de viagens. Teresina: Nova Aliança, 2023. 512 p. p. 232-242.
- 3. Meadows, A. J. (ed.). Knowledge and communication: essays on the information chain. London: Library Association, 1991.
- 4. Moreira, Isabela. Não, o mundo não vai acabar hoje. Galileu, 16 fev. 2017. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/blogs/buzz/noticia/2017/02/nao-o-mundo-nao-vai-acabar-hoje.html. Acesso em: 5 set. 2025.
- 5. Coury, H. J. C. G. Integridade na pesquisa e publicação científica. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 16, n. 1, p. V-VI, jan. / fev. 2012.
- 6. Portela, C. Jornalismo científico e democratização da informação. In: GARCIA, J. C. R. (Org.). Desvendando facetas da gestão e políticas de informação. João Pessoa: Edufpb, 2014.

