Impacto ambiental das rodovias na biodiversidade

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As rodovias constituem um tipo de infraestrutura humana que representa uma séria ameaça à biodiversidade local. Nesta publicação, abordam-se os principais impactos causados pelas rodovias durante sua fase de operação, como a poluição, as alterações do relevo e a fragmentação do habitat, para, por fim, propor algumas estratégias úteis que permitam reduzir os efeitos negativos que elas geram.



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Em um número cada vez maior de lugares na América Latina e ao redor do mundo, as rodovias representam um perigo crescente para as comunidades de fauna.

O desenvolvimento de infraestruturas, principalmente de rodovias, tem sido um dos pilares do progresso econômico e social em todo o mundo. No entanto, esse progresso socioeconômico vem acompanhado de impactos negativos significativos sobre o meio ambiente, sendo a biodiversidade um dos elementos mais afetados. Neste artigo, refletiremos sobre os impactos negativos que as rodovias exercem sobre a diversidade biológica e, por fim, abordaremos algumas estratégias úteis para reduzi-los e, assim, fortalecer a conservação da biodiversidade do nosso planeta.

Como as rodovias influenciam a biodiversidade?

Para falar sobre o impacto das rodovias, primeiro precisamos ter claro o termo “biodiversidade”. De fato, uma definição possível descreve a biodiversidade como um processo de evolução da vida ao longo de milhões de anos, que deu origem a todas as espécies, à variedade de genes e aos ecossistemas conhecidos em nosso planeta. Em essência, trata-se da riqueza da vida em todas as suas manifestações, desempenhando funções ecossistêmicas relevantes para o equilíbrio e a estabilidade do meio ambiente — e para nós mesmos —, atuando como fonte de alimento, recursos genéticos, controle de doenças, medicamentos e muitas outras funções, entre as quais também se destacam os aspectos contemplativos e espirituais.

Apesar da importância que a biodiversidade tem para nós, o “desenvolvimento” humano inevitavelmente gera impactos, muitas vezes com efeitos negativos sobre ela. As rodovias, em particular, fragmentam habitats, criando barreiras físicas que dificultam o deslocamento das espécies entre áreas previamente conectadas. Essa fragmentação reduz a conectividade da paisagem, o que é crucial para a sobrevivência de muitas espécies, especialmente aquelas que necessitam de grandes territórios ou que migram sazonalmente. É o caso do cervo-vermelho europeu (Capreolus capreolus), que realiza migrações sazonais e cujos movimentos são severamente limitados pela presença das rodovias.

A perda de conectividade pode levar ao isolamento das populações, reduzindo a diversidade genética e aumentando o risco de extinção local. Esse impacto é particularmente severo em espécies com baixa capacidade de dispersão, como certos pequenos mamíferos, anfíbios e répteis. Por exemplo, a salamandra-do-norte (Plethodon cinereus) que vive no norte do continente americano sofre uma redução de 25% a 75% na sua taxa de dispersão devido à presença de rodovias, o que impede o intercâmbio de genes entre populações distantes (fluxo gênico). Da mesma forma, os anfíbios, em geral, devido ao seu baixo potencial de dispersão, são extremamente vulneráveis à fragmentação. Isso ocorre porque precisam de habitats aquáticos para completar seu ciclo de vida — onde se reproduzem, depositam ovos e favorecem o desenvolvimento dos girinos —, bem como de habitats terrestres onde os adultos podem se alimentar e viver.

O conceito de fragmentação também inclui a criação de «efeitos de borda», nos quais as condições ambientais ao longo das rodovias são significativamente diferentes daquelas encontradas no interior do habitat. Esses efeitos podem alterar as dinâmicas de predação, competição e, ao mesmo tempo, gerar microclimas em que as condições de temperatura ou precipitação, por exemplo, diferem das do restante do habitat. Isso, por sua vez, influência quantas e quais espécies estarão presentes em uma determinada área, bem como as relações que ocorrem entre elas.

Por outro lado, um dos principais impactos das rodovias concentra-se na mortalidade da fauna devido aos atropelamentos. Isso ocorre porque muitas espécies, especialmente aquelas que precisam atravessar as rodovias para acessar diferentes partes de seu habitat, estão em constante risco de colisão com veículos. Além disso, esse efeito é ainda mais preocupante em espécies com baixa taxa de reprodução, como certos grandes mamíferos, que não conseguem compensar a perda de indivíduos por meio de uma reprodução rápida. Esse fator pode levar a um declínio significativo das populações em nível local e, em casos extremos, contribuir para a extinção das espécies.

O duro impacto dos atropelamentos sobre a biodiversidade 

Diferentes estudos têm analisado o impacto da perda de indivíduos por atropelamento nas comunidades biológicas locais. Por exemplo, em uma análise realizada na região do tronco do Caribe (Colômbia) entre outubro de 2016 e janeiro de 2017, foi demonstrado que mais de 200 animais foram atropelados, sendo os répteis e mamíferos os grupos mais afetados.

Da mesma forma, em outro estudo conduzido entre 2017 e 2018, que analisou o atropelamento da fauna nas rodovias Yopal–Quebrada Seca e Yopal–Variante Jagüeyes, também na Colômbia (região da Orinoquia), os autores relataram mais de 130 atropelamentos, envolvendo oito espécies de mamíferos, 13 de répteis, 20 de aves e uma de anfíbio.

Particularmente, a Rede Colombiana de Monitoramento da Fauna (RECOSFA) acompanha esses casos, destacando que as classes animais mais impactadas são os mamíferos (50,35 %), seguidos pelos répteis (22,69 %) e aves (19,14 %). Além disso, para o ano de 2022, as espécies mais afetadas foram: a gambá-comum (Didelphis marsupialis, 13,58 %), o tamanduá (Tamandua mexicana, 8,77 %), o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous, 7,78 %), a iguana-verde (Iguana iguana, 5,76 %), a jiboia (Boa constrictor, 1,53 %), o urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus, 1,88 %) e o sapo-comum (Bufo bufo, 1,30 %).

Gráfico: Espécies mais afetadas por colisões de vida selvagem na Colômbia em 2022

Outros estudos realizados mostram que os principais fatores que influenciam o atropelamento da fauna silvestre na Colômbia são a fragmentação das áreas próximas às rodovias, a proximidade de zonas verdes, as fontes de água, o comportamento das espécies, o tráfego de veículos, o efeito de borda e os resíduos orgânicos nas rodovias, que atraem animais oportunistas em busca de alimento. Esses fatores são comuns em diferentes regiões da Colômbia e afetam comunidades de fauna específicas, como a gambá-comum (Didelphis marsupialis), a iguana-verde (Iguana iguana), a cobra-sabanera (Leptodeira annulata), o tamanduá-de-quatro-dedos (Tamandua tetradactyla), o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), a rolinha-comum (Columbina minuta), o urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus) e o sapo-gigante (Rhinella marina).

A poluição como outro fator de interesse

Os atropelamentos não são o único impacto das rodovias, pois a poluição é outro efeito que contribui para a alteração dos ciclos naturais. Essas infraestruturas são fontes importantes de contaminação devido aos poluentes emitidos pelos veículos, como metais pesados, hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio, que podem se acumular nos solos e nas águas próximas, afetando a saúde das plantas, dos animais e dos microrganismos que vivem no solo e na água.

Diversos estudos demonstraram esses efeitos. Por exemplo, na região de Sonamarg, Himalaia, foram encontradas altas concentrações de metais pesados, como chumbo, cobre, zinco, cádmio e níquel, em solos próximos a rodovias. As elevadas concentrações desses metais também foram associadas a uma redução da biodiversidade microbiana do solo. 

Da mesma forma, na Polônia, analisou-se como a proximidade de rodovias de alto fluxo de veículos aumentava a concentração de metais no solo e reduzia a atividade microbiana (bactérias e fungos) responsável por manter o solo em condições saudáveis. Por fim, no sul do Brasil, foram detectadas altas concentrações de metais dissolvidos na água superficial próxima às rodovias, gerando riscos ecológicos.

Além disso, a poluição acústica e luminosa também pode alterar os padrões de comportamento de muitas espécies. Por exemplo, o ruído do tráfego pode interferir na comunicação de aves e mamíferos, afetando a reprodução e a alimentação, enquanto a luz artificial pode desorientar espécies noturnas e alterar os ciclos de atividade de insetos polinizadores e outros organismos. Essas alterações podem ter efeitos em cascata nos ecossistemas, perturbando interações ecológicas chave e diminuindo a capacidade do ecossistema de se recuperar após uma perturbação (resiliência).

Quais estratégias inovadoras e sustentáveis poderiam ser implementadas para reduzir esses efeitos negativos?

Para mitigar esses efeitos, é essencial implementar estratégias inovadoras e sustentáveis que considerem tanto o planejamento prévio quanto a construção e manutenção dessas infraestruturas. Uma das estratégias mais eficazes é o desenho de corredores ecológicos, que permitem a conexão de habitats fragmentados, facilitando o movimento e a migração das espécies. Esses corredores podem incluir passagens para fauna, como pontes ou túneis verdes, que possibilitam aos animais atravessarem as rodovias de forma segura, reduzindo mortes por atropelamento e mantendo a conectividade ecológica.

Outra estratégia é o planejamento territorial integrado, que incorpore a avaliação de impactos ambientais desde as fases iniciais dos projetos viários. Isso inclui a realização de avaliações de impacto ambiental (AIA) completas e a consideração de alternativas de traçado que minimizem a fragmentação de habitats sensíveis. Na Colômbia, a Lei No. 99 sobre Licenças Ambientais, regulamentada pelo decreto No. 2041 de 2014, estabelece a obrigatoriedade de estudos de impacto ambiental para a realização de obras e das medidas correspondentes de mitigação, correção ou compensação em caso de dano ambiental grave. No entanto, não especifica de forma detalhada a construção de rodovias e os impactos negativos que estas podem gerar durante as fases de construção e operação.

Existem outras medidas que se relacionam à redução do efeito negativo das rodovias, e são conhecidas como “estratégias de mitigação ambiental”. Entre elas, destaca-se a implementação de programas de reflorestamento para compensar a poluição por emissões; além disso, o reflorestamento e a reabilitação de áreas degradadas ajudam a recuperar a biodiversidade perdida, contribuem para a estabilidade do solo e regulam o ciclo hidrológico. Em zonas áridas, como La Guajira ou o deserto de La Tatacoa, na Colômbia, as medidas podem ser diferentes. Nesses casos, o solo é frágil e de recuperação lenta, a água é escassa e pequenas alterações na topografia podem afetar aquíferos, nascentes ou fluxos subterrâneos, enquanto a fauna está altamente adaptada a condições extremas. Medidas como a criação de viadutos ou galerias especiais para não interromper o fluxo de água superficial ou subterrânea, a construção de reservatórios artificiais ou bebedouros para fauna e o reflorestamento com espécies nativas xerofíticas (cactos e arbustos espinhosos, por exemplo) podem ser eficazes para reduzir os impactos da construção de rodovias em áreas desérticas e semiáridas da Colômbia e de outras regiões do mundo.

Em síntese, a biodiversidade é um patrimônio natural inestimável que sustenta a vida na Terra, incluindo a nossa. No entanto, o avanço das infraestruturas, especialmente das rodovias, tem gerado uma série de impactos negativos, que vão desde a fragmentação de habitats e o isolamento de espécies até a mortalidade por atropelamentos e a poluição ambiental. Esses efeitos não apenas ameaçam a sobrevivência de inúmeras espécies, mas também comprometem a saúde e a funcionalidade dos ecossistemas. Felizmente, existem alternativas viáveis e sustentáveis que permitem harmonizar o desenvolvimento com a conservação, como passagens para fauna, restauração ecológica e um planejamento territorial mais consciente e integrado. Implementá-las requer vontade política, compromisso social e uma visão de longo prazo. Proteger a biodiversidade significa, portanto, cuidar não apenas da natureza, mas também do nosso futuro.

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Para mais informações:

  1. Arroyave, M. del P., Gómez, C., Gutiérrez, M. E., Múnera, D. P., Zapata, P. A., Vergara, I. C., Andrade, L. M., & Ramos, K. C. (2006). Impactos de las carreteras sobre la fauna silvestre y sus principales medidas de manejo. Revista. EIA, 5, 45–57.
  2. Bartkowiak, A., Lemanowicz, J., Rydlewska, M., & Sowiński, P. (2024). The Impact of Proximity to Road Traffic on Heavy Metal Accumulation and Enzyme Activity in Urban Soils and Dandelion. Sustainability, 16(2), 812. https://doi.org/10.3390/su16020812
  3. Caballero-Díaz, C., Ayllón, E., & López, C. (2021). ¿Podemos conocer el impacto que tienen las carreteras en los anfibios y reptiles españoles? Comienza el proyecto SAFE para buscar respuestas y soluciones a los atropellos de herpetofauna. Bol Asoc Herpetol Esp, 32(2), 175–179.
  4. Correa, D. (2020). Pasos de fauna en infraestructura lineal: Cartilla de referencia para toma de decisiones. Ministerio de Ambiente y Desarrollo Sostenible.
  5. Martínez Soto, A., & Hernández, S. A. D. (1999). Catálogo de impactos ambientales generados por las carreteras y sus medidas de mitigación (133; Técnica).
  6. World Wildlife Fund. (2022). World Wildlife Fund. Cuando La Infraestructura Perjudica a La Naturaleza y a La Gente. https://www.worldwildlife.org/descubre-wwf/historias/cuando-la-infraestructura-perjudica-a-la-naturaleza-y-a-la-gente


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