”Mulheres são como água: crescem quando se juntam” – nenhuma outra fala poderia representar tão bem quanto este provérbio africano a motivação da criação de uma rede de mulheres que partilham os desafios de viver nos semiáridos de nove países, presentes em quatro continentes, que têm muito em comum, além de um de seus idiomas oficiais (o português). A água como elemento físico e recurso abiótico pode escassear, mas o conhecimento, a determinação e a resiliência, abundam. Juntaram-se em Julho de 2025, nas proximidades de um dos maiores rios do Mundo, no Brasil, e deram um exemplo inequívoco de respeito, generosidade e acolhimento. Este artigo resume o resultado de oportunizar o encontro delas, como representantes de milhares de mulheres de seus países, com voz forte, em um palco com a iluminação justa que esperávamos de um fórum onde as questões ambientais são o começo, o fim e o meio.
Semiárido como cenário
Os desafios e as causas subjacentes que as mulheres enfrentam – e driblam! – em seus contextos pessoais e profissionais
As regiões áridas são locais onde a evapotranspiração é maior que as chuvas, ou seja, com as altas temperaturas, pelo menos durante o dia e pelo menos em parte do ano, as águas superficiais —e a água presente nos seres vivos— evaporam-se, transformando-se em água no estado gasoso, muito mais do que o processo contrário, sua condensação, gerando as chuvas. Dizemos que no sertão a chuva é de baixo para cima! Dessa forma, criam-se déficits hídricos, em maior ou menor volume, dependendo do local.
Foi criado um índice de aridez, de onde quatro categorias são derivadas e classificadas: regiões hiperáridas, áridas, semiáridas e subúmidas secas. As regiões semiáridas são as mais abundantes e ocupam 15,2% do mapa global1. Possuem 14,4% da população mundial, 54% das áreas de pastagem e 35% das áreas cultivadas do nosso planeta1. Falamos de áreas extremamente sensíveis às mudanças climáticas, por sua variabilidade hídrica natural, intensivamente utilizada e exaurida para pastagem e agricultura, muitas vezes de forma intensiva, e não para agricultura familiar e de subsistência, como feita pelas comunidades tradicionais, de fundo de pasto2.
Vemos esse semiárido cada vez mais sujeito à desertificação, com um solo paulatinamente degradado e pobre onde sementes não conseguem germinar e plantas dificilmente conseguem crescer e se manter. Também com um processo de salinização crescente: em função das maiores taxas de evaporação, há maior concentração de sais, o que dificulta a manutenção e produtividade de plantas nesse solo e regiões.
Com o solo degradado, salinizado, imaginem como está o pouco de água que se consegue represar nesses locais. É uma água salobra, e quando disponível, com resquícios de produtos usados na agricultura. Viver nesse semiárido, que está virando árido, é tarefa cada vez mais difícil! Consequentemente, muitos homens saem de casa para buscar trabalho nas cidades, às vezes em outros estados, muitas vezes não voltam e fica para a mulher a tarefa de manter e “salvar” a família.

Selecionamos mulheres da sociedade civil, gestão pública e academia, que atuam em seus territórios promovendo melhoria da vida de outras pessoas. Com elas e participantes presentes no evento, compilamos as causas para os desafios que as entrevistadas relataram.
Desafios incluem a fome, a seca, a falta de recursos, a violência sofrida, seja violência doméstica, física, verbal ou emocional, seja violência na sociedade, de não poderem ocupar espaços de tomada de decisões, de serem invisibilizadas, junto com seus problemas. Por exemplo, muitas mulheres trabalham no campo - mas não há banheiros para essas mulheres no campo. As associações de produtores são majoritariamente de homens - as mulheres não participam e não são convidadas a participar. A educação no campo é quase exclusivamente direcionada aos homens. Muitas mulheres têm gravidez e casamentos prematuros e abandonam os estudos. Acúmulo de funções para as mulheres é outra dificuldade real, que ultrapassa as fronteiras dos semiáridos.
No evento integrado ao Congresso, “Educação ambiental e questões de gênero nos semiáridos da lusofonia”, reunimos com 15 pessoas presencialmente em Manaus e quase uma dúzia participando remotamente de vários lugares e países. A partir de uma primeira exposição dos desafios e do contexto dos semiáridos, dividimos três grupos para discutir e definir as causas para os desafios que as mulheres enfrentam nos semiáridos.
Causas apontadas: o machismo estrutural, que sustenta toda a nossa sociedade; o sistema econômico vigente (capitalismo), que realça essas diferenças entre os gêneros e que ganha com as mulheres trabalhando mais que os homens, sem ganhar proporcionalmente mais, tendo acúmulo de tarefas e achando que isso é dever indissociado do sexo feminino; também a igreja e as religiões que enfatizam as diferenças de papéis entre os gêneros.
A falta de acesso à educação também apareceu como fator que mantém as mulheres nesse ciclo de repetição e de não rompimento do machismo e da pobreza. Sem uma educação emancipatória, as mulheres não veem outras possibilidades e não percebem que são vítimas de abuso, que precisam denunciar, que precisam dar o primeiro passo para mudar suas realidades. Mesmo quando há acesso à educação, a discussão de gênero é incipiente e tímida, quando há.
Precisamos ampliar essas discussões. Dar visibilidade às mulheres e às suas questões. Somente quando, nós, mulheres tivermos os mesmos direitos e os mesmos espaços políticos, de fala, de trabalho, de ser e de estar no mundo, independente da roupa, da cor do cabelo, da maquiagem (ou sua ausência), da forma como queremos nos expressar, só então haverá um mundo livre, solidário e justo! Quando todas, todos e todes tiverem direitos assegurados e acessos às mesmas coisas que nos permitam expressar a humanidade e a cidadania.
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Para mais informações:
- 1. United Nations. (s. f.). Why now? United Nations. Recuperado el 7 de noviembre de 2025, de https://www.un.org/en/events/desertification_decade/whynow.shtml
- 2. Recomendamos Bianchini, F.; Lima, P.H.C; Barreto, R.M.F. Comunidades tradicionales de “fundo de pasto”: manejo da agrobiodiversidade de la Caatinga en los territórios historicamente ocupados por las comunidades de “fundo de pasto no sertão do São Francisco baiano”. In: da Cunha, M.C.; Magalhães, S.B.; Adams, C. (Org.) Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil: Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças. p. 77-126. São Paulo: SBPC, 2022
- 3. Rede Lusófona de Educação Ambiental (RedeLuso). (2025). Congresso Internacional da Associação de Estudos dos Países de Língua Portuguesa (EALusófono). Recuperado em 7 de novembro de 2025, de https://www.ealusofono.org/

