Sobre a importância da garra traseira do Tyrannosaurus rex para o desenvolvimento de um país soberano

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A ciência básica explora os fundamentos da natureza, mas como impulsiona o desenvolvimento dos países?

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Uma criança no Centro de Ciências de Detroit, nos Estados Unidos, observa com admiração robôs que imitam o Tyrannosaurus rex, o maior tiranossaurídeo conhecido. Graças à curiosidade humana canalizada pela ciência, foi possível recriar e entender esse imponente predador do passado. A ciência nos permite explorar o mundo ao nosso redor e expandir nossa compreensão para além dos limites do tempo e do espaço.

O Tyrannosaurus rex (do grego latinizado tyrannus 'tirano' e saurus 'lagarto', e do latim rex, 'rei') é uma espécie de dinossauro que viveu em nosso planeta no final do período Cretáceo, há aproximadamente 66 milhões de anos. Essa espécie de lagarto é, sem dúvida, o dinossauro mais conhecido do qual podemos formar uma imagem mental, sendo parte de um enorme consórcio de dinossauros e outros organismos pré-históricos que foram descobertos e estudados ao longo dos anos.

Considerando que desses organismos pré-históricos restaram apenas fósseis, conhecer o tamanho das garras traseiras do tiranossauro, a quantidade de dedos e sua anatomia geral nos fornece informações sobre como esses organismos caminhavam, caçavam suas presas, seu tamanho corporal ou até mesmo como mantinham o equilíbrio. Desde 2010, pelo menos dez artigos científicos sobre temas relacionados foram publicados em revistas especializadas de paleontologia.

Diante disso, surgem perguntas inevitáveis: Qual é a relevância desse conhecimento? Quantos recursos são investidos para que os cientistas possam gerar esse tipo de conhecimento? Faz sentido destinar fundos ou formar profissionais especializados para realizar esse tipo de estudo na América Latina, onde 4 em cada 10 pessoas recebem uma remuneração inferior ao salário-mínimo e metade não contribui para os sistemas de pensão?

Ciência básica? O que é isso?

De forma geral, a ciência básica explora os fundamentos da natureza, desde as menores partículas até o universo como um todo. Seu objetivo é gerar novos conhecimentos e expandir os limites do que sabemos. Já a ciência aplicada utiliza esse conhecimento básico para desenvolver soluções para problemas do mundo real, como criar medicamentos, melhorar cultivos ou projetar energias limpas. Para entender isso melhor, vamos usar um exemplo.

A ciência não é cara

Há alguns anos, uma equipe de cientistas liderada pela Dra. Raquel Chan, do Instituto de Agrobiotecnologia do Litoral (Santa Fé, Argentina), conseguiu isolar um gene do girassol que confere resistência à seca. Esse gene foi inserido em variedades de trigo e soja, aumentando sua tolerância ao estresse hídrico. Este é um exemplo de ciência aplicada. Entretanto, para chegar a esse ponto, foi necessário primeiro compreender o que são os genes, com base em estudos pioneiros de Mendel em 1865, e desenvolver técnicas modernas de genética, como sequenciamento e edição. Esses conhecimentos, inicialmente teóricos (ciência básica), viabilizaram inovações práticas.

Outros exemplos, talvez mais cotidianos, têm a ver com os avanços que foram realizados no campo da física quântica. Esta área da física explica os fenômenos microscópicos que nos cercam ao estudar as leis que regem o funcionamento do átomo. Aplicações do laser, como o usado para ler o código de barras no supermercado, se baseiam na possibilidade de que, através de um feixe de luz que rebate sobre uma superfície, possam ser lidas barras brancas e pretas. Essas barras armazenam um código de zeros e uns que imediatamente se traduz em informação como o preço de um produto. Isso pode ser feito porque existe o conhecimento prévio sobre “emissão estimulada”, que é o processo pelo qual um fóton (partícula de luz portadora de radiação eletromagnética) entrante de uma frequência específica interage com um elétron (partícula pequena com carga negativa que faz parte dos átomos), liberando energia e criando um novo fóton (partícula de luz que transporta radiação eletromagnética) que viaja pelo espaço. Outro exemplo de aplicação da ciência é a fibra óptica, que atualmente se utiliza para baixar programas, acessar redes sociais, ouvir música ou jogar online. Ela se baseia no fato de que a luz viaja por um núcleo de sílica do tamanho de um cabelo e se reflete em um material isolante que evita que esta escape. Este fenômeno é alcançado graças ao conhecimento da lei da refração e da lei de Snell.

A discussão sobre ciência básica, como a mencionada acima, ou muitos outros tipos de estudos e linhas de pesquisa que poderíamos mencionar neste artigo, e sua importância para o desenvolvimento de um país, não é nova. As respostas variam de acordo com os governos vigentes. Alguns priorizaram o desenvolvimento científico-tecnológico a partir da geração de infraestrutura, subsídios para pesquisa, incentivos a determinadas linhas de trabalho e hierarquias salariais; outros governos, em vias de reduzir o gasto público, têm focado em fazer o contrário.

Por exemplo, na Argentina, 0,55% do Produto Interno Bruto (PIB) é destinado à ciência. Esses fundos são distribuídos entre diferentes órgãos estatais, como o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA), a Comissão Nacional de Atividades Espaciais (CONAE), o Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET), o Instituto Nacional da Água (INA), universidades públicas, entre outros. Em outros países da região, como o Brasil, investe-se 1,22%, no Equador 0,67%, no Uruguai 0,48%, no Chile 0,35% e na Colômbia 0,31%. Isso implica que, em termos gerais, menos de 1% do PIB é investido em ciência. Em contraste, em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, investe-se 3,54%, na Áustria 3,40%, no Japão 3,36% e na Alemanha 3,26%. Nesse sentido, o investimento realizado em países desenvolvidos triplica o de países sul-americanos. Se compararmos esses dados com o Índice de Progresso Social (IPS), que utiliza 60 indicadores de progresso social e ambiental, obtém-se uma relação direta e positiva. De fato, os dados indicam que 52% do bem-estar social de um país é explicado pelos recursos econômicos que ele destina ao desenvolvimento científico. Talvez a pergunta não seja apenas quanto se investe, mas que valor damos ao conhecimento científico como sociedade. Aqui surge um debate que poderia ser considerado absurdo: a dicotomia entre ciência básica e ciência aplicada.

Gráfico: PBI vs IPS

Toda a ciência precisa ser aplicada?

É interessante discutir se todo o conhecimento gerado como ciência básica precisa ser aplicado de forma direta ou indireta. Pensemos, por exemplo, nos cientistas que estudam o cosmos, a formação das galáxias ou a vida em outros planetas. Aqueles que estudam os processos geológicos que intervieram na formação do planeta Terra ou aqueles que estudam os dinossauros, os aspectos de sua biologia e a forma como se relacionavam com o meio em que viveram há milhões de anos. Esses estudos são menos importantes do que os que se fazem, por exemplo, para o design de satélites, vacinas, inteligências artificiais ou qualquer outra linha que se considere aplicada e que tenha um impacto social direto?

De acordo com a “Conferência Mundial sobre Ciência para o Século XXI: um novo compromisso”, promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a função da ciência é gerar novos conhecimentos que proporcionem um enriquecimento educativo, cultural e intelectual e conduzam a avanços tecnológicos e benefícios econômicos. Promover a pesquisa básica e aplicada a problemas é essencial para alcançar o desenvolvimento e o progresso de um país.

A esse respeito, Jacques Gaillard, em um artigo publicado em 1990, argumenta que produzir conhecimento científico para contribuir para o desenvolvimento de um país soberano não é uma receita mágica. Nesse sentido, Gaillard afirma que investir em pesquisa e desenvolvimento, formar equipes de pesquisa, construir universidades e laboratórios com equipamentos sofisticados leva tempo, não garante descobertas científicas milagrosas, nem ativa a maquinaria do desenvolvimento. Mesmo sob condições favoráveis, como as que prevalecem atualmente na maioria dos países em desenvolvimento, países como os Estados Unidos ou o Japão levaram mais de 50 anos para competir com os países europeus.

A razão mais óbvia desse fenômeno é que promover o desenvolvimento de um país baseado no crescimento científico-tecnológico leva tempo. A ciência moderna começou a se formar durante o Renascimento na Itália, especialmente no século XVI, com figuras como Galileu Galilei, que promoveu o método experimental e desafiou as ideias tradicionais sobre o funcionamento do universo. Na América Latina, não foi até o século XIX que se viram as primeiras tentativas de formalizar a ciência em alguns países, enquanto na África a influência direta ocorreu até o início do século XX. No entanto, não foi até as décadas de 1960 e 1970 que na América do Sul foram fundadas novas universidades e institutos de pesquisa e começou a ser construída uma base mais sólida de comunidades científicas.

O desenvolvimento científico em tempos de crise econômica

Seguindo este raciocínio, poderíamos dizer que a ciência ou o desenvolvimento científico não necessariamente precisa se traduzir em uma aplicação tecnológica, já que muito do conhecimento gerado pode ter finalidades culturais ou educacionais. Mas faz sentido investir recursos no desenvolvimento da ciência em países como a Argentina que atualmente enfrenta problemas econômicos profundos e complexos? A resposta a essa pergunta é um sim retumbante, que pode ser argumentado de diferentes formas:

  • A ciência nos ajuda a entender melhor o mundo em que vivemos e a descobrir coisas novas sobre ele;
  • A ciência impulsiona ideias, tecnologias e empresas que ajudam a economia a crescer ao longo do tempo;
  • A pesquisa científica ajuda a encontrar soluções para problemas urgentes, como a mudança climática, a falta de recursos não renováveis, a criação de novas medicinas e, em geral, para melhorar nossa qualidade de vida;
  • A ciência é fundamental para criar tecnologias e soluções que nos ajudem a sair das crises. Um bom exemplo foi a pandemia de COVID-19, quando a pesquisa rápida em vacinas e tratamentos foi essencial para manter as coisas sob controle;
  • Investir em ciência ajuda um país a ter suas próprias tecnologias e não depender tanto das de outros países;
  • A ciência nos ajuda a encontrar soluções sustentáveis para problemas ambientais e sociais.

Ciência e soberania

Quando falamos da soberania de um país, estamos nos referindo ao poder que um país tem para tomar decisões de forma autônoma e exercer a autoridade em seu território. É um direito fundamental dos países e um elemento que os define. Nesse sentido, potencializar o desenvolvimento científico de um país por meio de políticas públicas direcionadas a fortalecer o desenvolvimento científico nos permite encontrar soluções para problemas que têm a ver, por exemplo, com o fornecimento de alimentos, a produção de energias renováveis, o tratamento de doenças ou melhores formas de educar.

Estamos atravessados pelas mudanças climáticas, pelo aumento da população humana, pela desigualdade de classes, pelo aumento da poluição e pela degradação dos ecossistemas naturais. Nesse contexto, o desenvolvimento científico-tecnológico é uma ferramenta necessária para direcionar decisões administrativas que se traduzam em políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento dos países. Sophie Beernaerts (diretora da Agência Executiva Europeia em Educação e Cultura) destaca ainda que o conhecimento científico nos permite compreender melhor nosso mundo, nosso ambiente e nos dá sabedoria sobre como viver de forma sustentável. Nas palavras de Beernaerts, “queremos que a ciência nos ajude a distinguir os fatos da ficção, as mentiras das verdades, em um mundo em que a exposição excessiva à informação por meio das redes sociais se tornou uma norma”.

Em termos mais específicos, e de acordo com um relatório do Banco Mundial de 2003, nas próximas décadas a produção de alimentos deverá dobrar para atender à crescente demanda. Isso implica superar desafios como melhorar a resistência à seca, pragas, salinidade e temperaturas extremas; aumentar o conteúdo nutricional e reduzir as perdas pós-colheita, tudo de forma sustentável, tanto ambiental quanto socialmente, para garantir a sustentabilidade e a soberania alimentar das futuras gerações. No âmbito da saúde, doenças transmitidas por vetores e água, a falta de assistência médica adequada e as deficiências na atenção materna e infantil. Todas essas situações continuam sendo desafios significativos em países em desenvolvimento que exigem avanços no conhecimento para poder enfrentá-las.

Talvez o senhor da loja da esquina, aquela moça que está lendo esta nota no ônibus a caminho do trabalho ou o dono de um supermercado possa pensar que o estudo da garra traseira de um dinossauro extinto há milhões de anos não tem relação com suas vidas. Talvez acreditem que investir em tais estudos é desperdiçar recursos valiosos. No entanto, precisamos entender que aproximar-se do conhecimento científico liberta e forma mentes, impacta na cultura e na educação e tem o potencial de transformar os países. É, sem dúvida, dinheiro bem investido, porque essas "garras traseiras" são essenciais para nos entendermos e progredir. «A ciência não é cara, cara é a ignorância», dizia Bernardo Houssay, médico argentino, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina e membro fundador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET) na Argentina há muitos anos.

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Para mais informações:

  1. Beernaerts, S. Head of Unit, DG Education and Culture, European Commission, outlined the critical role of scientists and researchers in shaping our society during his keynote address at the 3rd AGM of the Marie Curie Alumni Association in Salamanca, Spain, in March 2017.
  2. Watson, R., Crawford, M., & Farley, S. (2003). Strategic approaches to science and technology in development. Banco Mundial.
  3. Gaillard J. (1990) Science in the Developing World: Foreign Aid and National Policies at a Crossroad. Ambio 19: 347-352.


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