Você já deve saber que o café é um dos recursos agrícolas mais importantes do Brasil. Além de representar um mercado importante economicamente, o café, sem dúvidas, pode ser considerado um patrimônio cultural do nosso povo. Seja pingado para quem tem calma, ou expresso para quem tem pressa, o café faz parte da rotina de quase todos os brasileiros. Mas você sabia que o café tem uma relação íntima com outra grande riqueza do nosso país? A nossa biodiversidade! Se você não sabia ou quer saber um pouco mais disso, prepara um cafezinho, se acomoda e segue o fio que eu vou te explicar.
O cafeeiro arábico (Coffea arabica) é a principal espécie de café cultivada no Brasil e corresponde em média a 70% da safra anual brasileira. Nativa das terras altas no sudoeste da Etiópia, a planta foi introduzida no Brasil no início do século XVIII, trazida pelo sargento Francisco de Melo Palheta através da fronteira do estado do Pará com a Guiana Francesa. Já em meados do século XIX, o café alçou ao posto de principal produto de exportação brasileiro. Ainda que hoje o café divida seu protagonismo comercial com a soja e outros produtos agrícolas, o Brasil permanece no posto de maior produtor e exportador do grão, colocando na mesa dos aficionados, cerca de 35% de todo café consumido no mundo. Mas como esta planta exótica e de perfume inebriante, vinda do distante continente africano, conseguiu alcançar um sucesso tão duradouro em terras tupiniquins?
O segredo do sucesso da produção do café no Brasil pode ser atribuído a uma série de fatores: à qualidade do solo, ao clima tropical, as boas práticas agrícolas, as linhagens produzidas em laboratório, à modernização contínua do setor cafeicultor, entre inúmeros outros fatores.
Porém, há um fator que é fundamental para a produção do café e que raramente é discutido. Este fator é a nossa biodiversidade. Sim, isso mesmo. A biodiversidade tem uma grande importância para a produção de café. Se no início do seu cultivo em terras brasileiras o café foi responsável por uma devastação considerável da Mata Atlântica, seguindo o modelo de plantation (latifúndios com monoculturas trabalhadas por escravos), hoje o cenário está mudando. Cada vez mais estudos apontam que a paisagem natural no entorno das culturas é crucial para a produção de café, e a adoção de manejos mais sustentáveis vem ganhando terreno por isso. Mas então, quais os mecanismos através dos quais a paisagem natural e a biodiversidade favorecem o cultivo de café? Vamos ver!
Embora o cafeeiro seja uma planta capaz de produzir seus frutos de forma autônoma, realizando autopolinização, a produção de frutos depende em grande parte do serviço de polinização provido por insetos. As abelhas, consideradas os principais agentes da polinização do café, podem ser responsáveis por até 36% da geração de frutos. A contribuição dos polinizadores para o setor de café brasileiro foi estimada em U$1.899.000.909 (R$6.326.521.528 em 2015), o equivalente a 25% do que o setor cafeeiro gerou para o mesmo ano.
O serviço de polinização do café torna-se, portanto, um dos mais valiosos para o mercado agrícola brasileiro, gerando 12% do benefício considerando todos os cultivos brasileiros! Além de incrementar a taxa de frutificação, a polinização intermediada pelas abelhas também tende a gerar frutos mais pesados, que possuem grãos maiores, algo que agrega valor de comércio ao produto. Tem sido observado que mesmo diante da abundância de abelhas, a diversidade das espécies que visitam os cultivos de café incrementa a produção. Ou seja, quanto mais espécies de abelhas polinizando o cultivo, mais café na nossa mesa.
Como é recorrente em monocultivos, o café também é amplamente afetado por animais invertebrados, as chamadas pragas agrícolas. Dentre as pragas de café mais recorrentes no Brasil, e com maior impacto negativo sobre a sua produção, encontramos a cigarra-do-cafeeiro (Quesada gigas), o bicho-mineiro (Perileucoptera coffeella) e a broca-do-café (Hypothenemus hampei). Apenas a broca-do-café teve impactos estimados entre U$230-356 milhões de dolares no ano de 2013 (R$504-840 milhões). Neste sentido, o serviço de controle de pragas, que é exercido principalmente por aves insetívoras no caso do café, também apresenta uma importância econômica relevante para o setor agrícola.
Propriedades rurais com poucas aves insetívoras apresentam maior dano por infestação de pragas enquanto propriedades mais próximas de fragmentos de vegetação nativa apresentam menos pragas. Isso indica que o aumento da diversidade das aves insetívoras pode incrementar o serviço ecossistêmico de controle de pragas do café.
Observando esses dois casos fica claro como a biodiversidade tem um papel fundamental para a saúde produtiva e econômica do setor cafeeiro, através dos serviços ecossistêmicos. Não à toa, a Colômbia que adota em ampla escala o manejo sombreado (em áreas florestadas) apresenta o maior valor no mercado internacional desta commodity e também apresenta um dos melhores índices de produtividade por área. Além disso, nossos hermanos também defendem o título de ter um café suave, estrelando entre os melhores cafés do mundo segundo vários especialistas. Tudo isso, fruto de um manejo menos intensivo e de uma maior harmonia com o ambiente.
Como sabemos, o Brasil é o país que abriga a maior biodiversidade do planeta e tem a maior parcela de floresta tropical contínua do planeta (advinha só, a Amazônia!). Isso nos torna também a maior potência mundial em serviços ecossistêmicos. Mas para usar este potencial precisamos fazer a lição de casa: preservar nossas formações de vegetação nativa e mitigar os impactos da agricultura.
Desta forma o produtor de café obteria uma safra rentável com bom valor de mercado. Ao mesmo tempo garantiremos o humilde pagamento que as espécies prestadoras dos serviços exigem, um ecossistema saudável para habitarem. E tudo isso vem com um grande bônus, a garantia que vamos ter um café fresquinho em nossas mesas, para nos dar aquela energia, para mais um dia de luta por um futuro melhor e mais sustentável.
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Para mais informações:
- BPBES/REBIPP. 2019 Relatório temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil. Wolowski M, Agostini K, Rech AR, Varassin IG, Maués M, Freitas L, Carneiro LT, Bueno RO, Consolaro H, Carvalheiro L, Saraiva AM, Silva CI. Padgurschi MCG (Org.). Editora Cubo, São Carlos
- Classen, A., et al. 2014. Complementary ecosystem services provided by pest predators and pollinators increase quantity and quality of coffee yields. Proceedings of the Royal Society B 281, 20133148
- Giannini, T.C., et al. 2015. The dependence of crops for pollinators and the economic value of pollination in Brazil. Journal of Economic Entomology 108, 849-857
- Hanspach, J., et al. 2017. From trade‐offs to synergies in food security and biodiversity conservation. Frontiers in Ecology and the Environment 15, 489-494
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- Martins, A.L. 2012. História do café. Editora contexto
- Ricketts, T. 2004. Tropical forest fragments enhance pollinator activity in nearby coffee crops. Conservation Biology 18, 1262-1271
- Roubik, D.W. 2002. The value of bees to the coffee harvest. Nature 417, 708