A alimentação é considerada um direito humano em vários acordos e declarações internacionais, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, por fim, a Observação Geral do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais1. No entanto, embora várias constituições políticas consagrem esse direito, milhões de pessoas sofrem de fome e desnutrição, situação que foi agravada pelo surgimento da pandemia COVID-192.
Com resultados muito limitados, mas notórios, a discussão na esfera política muitas vezes se limita a ver o problema alimentar individualmente e não como um conjunto de fatores que interagem, tais como pobreza, fome, desnutrição, desigualdade, educação, mudanças climáticas e destruição da natureza. O resultado é que a crise alimentar está atingindo novas dimensões.
Estima-se que a população mundial atingirá 8,5 bilhões até 2030, resultando em um aumento no número de pessoas que sofrerão com a fome em várias regiões do planeta. Um estudo realizado em conjunto pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras, estimou que até 2030 quase 67 milhões de pessoas serão afetadas pela crise alimentar na América Latina e no Caribe. Tal cenário é possível mesmo considerando que o combate à fome é um objetivo atual nos acordos políticos globais para o desenvolvimento sustentável3.
Nas últimas décadas, as organizações internacionais estiveram em alerta devido às limitações dos modelos de produção atuais, que impedem a garantia do direito à boa alimentação. Em resposta a isso, tem sido proposto um novo modelo de soberania que visa redesenhar os sistemas de produção atuais. Micarelli4 destaca que atualmente a segurança alimentar tem como foco a disponibilidade e o acesso aos alimentos, porém, para garantir a soberania alimentar dos territórios o ideal seria levar em conta quem produz e como os alimentos são produzidos.
Alguns países desconhecem o importante papel dos agricultores e camponeses, apesar de serem eles quem têm conhecimento para gerir os sistemas de produção de alimentos. Hoje, os agricultores são afetados pelo aumento de impostos, enquanto a assinatura de acordos de livre comércio abastecem os mercados nacionais com produtos importados de países desenvolvidos. A junção desses fatores ameaça a sustentabilidade da agricultura nacional tradicional nos países produtores e coloca em risco sua economia, influenciando na crise alimentar que atinge o mundo.
O objetivo da soberania alimentar deve ir além do acesso aos alimentos e adotar uma nova abordagem do problema global da alimentação5, pois esta deve representar, ou melhor, priorizar a produção agrícola nacional para alimentar a população. Para tanto, é necessário o apoio de entidades governamentais. Que sejam essas entidades as responsáveis pela articulação das políticas estabelecidas nos planos de desenvolvimento, na medida do possível com enfoque na sua diversidade geográfica e cultural, pois é no campo onde se encontra a oportunidade de gerar os alimentos que a nossa sociedade necessita.
A situação atual é, de fato, desanimadora e pode ser pior nos países em desenvolvimento, os quais buscam um avanço industrial que traz consigo múltiplos impactos que agravam a crise alimentar interna. As políticas estão centradas em uma doutrina econômica que deixa de lado o desenvolvimento agrícola, ao mesmo tempo que regula a liberdade política agrária, o que leva os povos à perderem o poder de produzir seus alimentos e mina sua soberania alimentar.
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Para mais informações:
- Maria Alejandra Ramírez Galvis, M. A. 2019. Vivir sin hambre en Colombia. El derecho humano a la alimentación desde una perspectiva de soberanía alimentaria en Colombia [Universidad Santo Tomás]. https://repository.usta.edu.co/handle/11634/17585
- Christoph Hasselbach. 2020. COVID-19 agudiza el hambre en el mundo. El Mundo. https://www.dw.com/es/covid-19-agudiza-el-hambre-en-el-mundo/a-55250116
- FAO. 2020. ONU: El hambre en América Latina y el Caribe podría afectar a casi 67 millones de personas en 2030. Organización de Naciones Unidas Para La Alimentación y La Agricultura. http://www.fao.org/americas/noticias/ver/es/c/1297774/
- Giovanna Micarelli. 2018. Soberanía alimentaria y otras soberanías: el valor de los bienes comunes. Revista Colombiana de Antropología, 54(2), 119–142.
- José Luis Carmona Silva, Lizbeth Sánchez Flores, José Aurelio Cruz De los Ángeles, R. S. 2020. ¿Es posible una soberanía alimentaria en México? RICSH Revista Iberoamericana de Las Ciencias Sociales y Humanísticas, 9(18), 40–69. https://doi.org/10.23913/ricsh.v9i18.210