É difícil de acreditar, mas as famigeradas “algas azuis” ou cianobactérias remontam à origem da vida no planeta Terra1. Elas constituem o grupo das primeiras células capazes de utilizar a luz solar para produzir matéria e energia, ou seja, realizar fotossíntese. Assim, foram as responsáveis por aumentar a quantidade de oxigênio na atmosfera e transformar o planeta drasticamente. Sem esses organismos surgidos há aproximadamente 3 bilhões de anos atrás, não existiria vida na forma como a conhecemos. Se pensarmos que esses organismos são parte da história da origem da vida na Terra, não é surpreendente que possam ser encontrados por quase toda a crosta do planeta, em formas de organização que variam de células solitárias a colônias2. É um grupo tão amplo que estudos genéticos incluem até espécies que não realizam fotossíntese no grupo das cianobactérias3.
A surpresa não é que sejam tão antigas nem que sejam bactérias e não algas, mas que sejam tão bem-sucedidas ao longo de bilhões de anos. Na maioria das vezes, quando pensamos em organismos que foram bem-sucedidos na história da evolução, pensamos em plantas ou animais com comportamentos ou estruturas complexas, como as glândulas de sal que permitem às árvores dos manguezais sobreviverem em condições tóxicas de alta salinidade; ou o ninho de um João de Barro, pela complexidade de sua arquitetura.
Mas, na verdade, o real significado de “ser bem-sucedido” no sentido ecológico não diz respeito ao tipo de modificação ou estrutura que uma espécie apresenta, e sim à capacidade de persistir ao longo do tempo e resistir às variações ambientais sem extinguir-se. E nesse sentido, as cianobactérias estão entre as espécies mais bem-sucedidas!
Apesar de já serem estudadas há um bom tempo – primeiros estudos remontam há mais de 200 anos atrás – ainda não entendemos por completo o que faz as cianobactérias aquáticas crescerem de modo explosivo. Essas explosões populacionais têm grande impacto no ambiente, e por isso a má fama. Para fins de comparação, imaginem o impacto humano na alta temporada em pequenos balneários. A quantidade de gente que chega de uma só vez nas praias gera inúmeros impactos e altera a dinâmica do lugar mesmo após o fim da temporada. No caso das cianobactérias, o crescimento rápido e desenfreado que acumula muitos indivíduos é chamado de floração ou “bloom”, em inglês.
Esses acúmulos, ou florações, podem ter escalas tão grandes a ponto de serem detectados de fora da Terra pelos satélites. Às vezes, por motivos não totalmente conhecidos, as cianobactérias produzem substâncias tóxicas (cianotoxinas) aos seres humanos e outros organismos. Assim, agirmos para controlar esses blooms é fundamental, pois o resultado pode ser uma contaminação geral no ecossistema aquático, prejudicando o uso para abastecimento, pesca, entre outros. Além disso, a grande produção de matéria orgânica (afinal, são células que cresceram e se acumularam) poderá ter efeitos sobre os ciclos de nutrientes e outros organismos no mesmo ambiente, como resultado da redução do oxigênio por causa da decomposição.
Apesar de não sabermos exatamente o que causa as florações e a produção de cianotoxinas, sabemos que alguns fatores podem ser chave para disparar um bloom. Mas quais são eles e como interagem? O que comem e como vivem as cianobactérias?
Como as plantas, as cianobactérias usam basicamente nutrientes e luz para crescer. Além disso, a temperatura também é um fator importante e, em geral, altas temperaturas têm efeitos positivos no crescimento desses organismos porque aceleram o metabolismo. E por sabermos os possíveis efeitos positivos dos nutrientes, da luz e da temperatura sobre as cianobactérias, podermos considerar as florações como “delatores” dos impactos das nossas atividades sobre o ambiente. Atividades que resultam no aumento de nutrientes devido ao uso de fertilizantes na agricultura e no aumento da temperatura resultante das mudanças climáticas.
Mas não é na abundância de recursos que esses organismos se mostram diferenciados. Muitas vezes, as cianobactérias estão em porções da coluna d’água em que há uma entrada limitada de nutrientes, e as concentrações dos nutrientes na água podem chegar a níveis indetectáveis pelos nossos aparelhos4.
Esses organismos então se ajustam e recorrem a diferentes estratégias para lidar com essa escassez de recursos. Assim como nós podemos armazenar água da chuva ou até dessalinizar a água do mar quando quase não há água doce disponível, as cianobactérias também possuem suas estratégias de armazenamento de nutrientes e uso de outras fontes além daqueles diretamente disponíveis na água (como o nitrogênio atmosférico e o fósforo orgânico).
Nesse manejo eficiente de recursos e nutrientes pelas cianobactérias5, ainda há um outro diferencial comparável ao nosso comportamento como humanos: a mudança cultural e a capacidade de antecipar que, se não pouparmos água, ficaremos sem. Temos a capacidade de criar mecanismos mais eficientes do uso de água e reavaliar as prioridades de consumo, já que com o tempo aprendemos que, em muitos de nossos hábitos, desperdiçamos água.
Obviamente, as cianobactérias não têm essa mesma capacidade de raciocínio, mas elas evoluíram de uma forma que podem alterar seu consumo e deixá-lo o mais eficiente possível, ao mesmo tempo que não irão necessariamente esgotar ao máximo o recurso disponível. Ainda, enquanto o ser humano tem mudanças comportamentais, as cianobactérias têm a capacidade de desenvolver células especiais quando as condições ambientais não são favoráveis, e que voltarão a se desenvolver quando as condições forem mais amenas. Seria como termos a opção de um estado de “stand by” em situações menos favoráveis, e depois “religarmos” nosso corpo quando as situações voltem a ser menos adversas.
Essas características das cianobactérias as fazem ao mesmo tempo tão encantadoras e desafiadoras: encantadoras porque estudar e entender seus mecanismos de sobrevivência podem ajudar a compreender melhor outros organismos e até a história da vida na Terra; e desafiadoras porque são tão versáteis que seu manejo e a identificação dos impactos das atividades humanas sobre seu crescimento nos corpos d’água são tarefas complexas.
Referencias
- Günter A. Peschek et al. Life implies work: a holistic account of our microbial biosphere focussing on the bioenergetic processes of Cyanobacteria, the ecologically most successful organisms on our Earth. In: Günter A. Peschek, Christian Obinger e Gernot Renger. Bioenergetic Processes of Cyanobacteria: from evolutionary singularity to ecological diversity. Dordrecht: Springer, 2011, p. 3-70.
- Luuc R.Mur, Olav M.Skulberg e Hans Utkilen. Cyanobacteria in the environment. In: Ingrid Chorus e Jamie Bartram. Toxic cyanobacteria in water: a guide to their public health consequences, monitoring and management. London: Taylor & Francis Groups, 1999, p. 9-14.
- Marie-Eve Monchamp, Piet Spaak e Francesco Pomati. 2019. Long Term Diversity and Distribution of Non-photosynthetic Cyanobacteria in Peri-Alpine Lakes. Frontiers in Microbiology, 9:3344.
- Luis Aubriot e Sylvia Bonilla. 2018. Regulation of phosphate uptake reveals cyanobacterial bloom resilience to shifting N:P ratios. Freshwater Biology, 63: 318– 329. https://doi.org/10.1111/fwb.13066.
- Kristjan Plaetzer et al. 2005. The microbial experience of environmental phosphate fluctuations. An essay on the possibility of putting intentions into cell biochemistry. J Theor Biol., 235:4, 540-554. DOI:10.1016/j.jtbi.2005.02.0