Certamente o leitor não terá dificuldade em entender o significado da palavra da língua inglesa allien depois que Hollywood imortalizou vários alliens nas telas dos cinemas, em personagens que revelam o medo da humanidade de ser dominada por um ser extraterrestre vindo de outro mundo. Mas dificilmente percebemos que na natureza existe um grande número de espécies que efetivamente invadiram regiões geográficas às quais não pertenciam durante toda a sua história evolutiva, até o momento da invasão. Estas espécies também são chamadas de alliens em inglês, ou espécies exóticas, introduzidas e não nativas, em nossa língua. Também chamamos de exótico algo diferente do que estamos acostumados a ver e certamente boa parte das introduções de espécies foi intencional, quando a humanidade começou a trazer para casa espécies diferentes, encontradas em viagens por terras distantes, justamente pela sua “exoticidade”.
Ascídias são definitivamente espécies exóticas, no sentido do diferente ou esquisito! Quando se tornam adultas, dificilmente são reconhecidas como animais, pois não apresentam uma cabeça definida, nem olhos, nem patas ou pernas. Na superfície do corpo existem apenas duas aberturas para entrada e saída de água. Em muitas espécies os indivíduos brotam clones iguais a eles mesmos, de modo a formar uma colônia. Vivem fixadas em rochas, corais, algas ou outros animais de superfície dura, como os mexilhões e ostras. Olhando para esses organismos de aparência tão simples, é difícil imaginar que as ascídias são evolutivamente muito próximas aos vertebrados e até a nós, os humanos. Mas este fato pode ser melhor apreciado estudando as larvas em forma de girino, cujas caudas apresentam notocorda e tubo nervoso dorsal com a mesma organização dos embriões dos vertebrados.
Mas porque estou falando de ascídias? Porque este grupo de animais marinhos e pouco conhecidos também apresenta muitas espécies exóticas do ponto de vista das invasões biológicas! No Brasil, o estudo de ascídias exóticas começou há pouco mais de 15 anos, mas já sabemos que pelo menos 30 das 130 espécies encontradas atualmente em nosso litoral não fazem parte de nossa fauna original1. No mundo, aproximadamente 70 espécies de ascídias já foram reportadas como introduzidas e esse número cresce todos os anos com o registro de novas introduções2.
Como as ascídias não têm interesse comercial, a não ser por quatro ou cinco espécies comestíveis, a grande maioria das introduções foram acidentais, provavelmente por transporte em cascos dos navios, ou como caronistas em estoques de ostras e mexilhões transportados para cultivo. Em invasões acidentais é muito difícil prever quais espécies serão transportadas, pois depende de uma coincidência da presença do navio no porto durante o período reprodutivo em que as larvas estão procurando superfícies para se fixar.
Por isso vários estudos de ascídias exóticas procuram entender quais fatores aumentam a probabilidade de uma determinada espécie invadir um novo ambiente. Por exemplo, se a espécie é muito abundante e apresenta um longo período reprodutivo durante o ano, terá mais oportunidades para encontrar os navios que a transportarão a “novos mundos”. Se a espécie tem tolerância a uma ampla gama de salinidades e temperaturas, terá mais probabilidade de sobreviver durante a viagem. Se a espécie incuba suas larvas dentro do adulto, estas terão mais probabilidade de sobreviver à viagem3. Um estudo recente em nosso laboratório4 usou técnicas de modelagem para comparar as características ambientais onde vivem atualmente 19 espécies de ascídias com as características das regiões costeiras de todo o mundo, identificando locais adequados para estas espécies. Cruzando estas informações com as rotas dos navios que realizam comércio internacional, foi possível prever em quais localidades estas espécies teriam mais chance de aparecer. Este estudo foi realizado em 2015 e efetivamente já temos notícias de algumas espécies que chegaram posteriormente nas regiões previstas, como Styela clava na Argentina e Clavelina lepadiformes na costa oeste da Austrália.
No caso das ascídias invasoras, as atividades econômicas mais impactadas são os cultivos de mexilhões e ostras, a pesca artesanal e as atividades náuticas costeiras. Isto porque ascídias exóticas fazem parte da bioinscrustação que cresce sobre qualquer superfície no mar, como as conchas dos moluscos, cordas, boias de sinalização ou de sustentação dos cultivos, cascos das embarcações e flutuadores em marinas. São muitos quilos de biomassa que causam peso, afundando as estruturas ou reduzindo o hidrodinamismo dos cascos dos barcos e a eficiência da navegação. Estudos realizados em nosso laboratório e em outros países também demonstram que os mexilhões cultivados crescem menos e mais lentamente quando recobertos por ascídias.
O meio ambiente também pode sofrer impacto causado por ascídias exóticas. No litoral do Paraná e de Santa Catarina, desde 1995 observamos colônias da espécie Eudistoma carolinense recobrindo grandes faixas do médio litoral inferior dos costões rochosos5. Recentemente verificamos que essa espécie foi substituída por Polyandrocarpa zorritensis, outra ascídia exótica ocupando o espaço anteriormente ocupado pelas algas.
Enquanto navios e pequenas embarcações não limparem periodicamente seus cascos ou fizerem inspeções para eliminação de espécies exóticas, teremos oportunidade para novas invasões, causando grandes impactos ambientais e econômicas.
Referencias
- Rosana M. Rocha et al. 2013. The need of more rigorous assessments of marine species introductions: a counter example from the Brazilian coast. Marine Pollution Bulletin 67, 241-243.
- Shane Ahyong et al. 2019. World Register of Introduced Marine Species (WRiMS). Accessed at http://www.marinespecies.org/introduced on 2019-09-29.
- Gretchen Lambert. 2005. Ecology and natural history of the protochordates. Canadian Journal of Zoology 83, 34-50.
- Daniel M. Lins et al. 2018. Predicting global ascidian invasions. Diversity and Distributions 24, 692-704.
- atiane Moreno e Rosana Rocha 2006. Associated fauna of Eudistoma carolinense (Tunicata, Ascidiacea) compared with other biological substrates with different architectures. Journal of Coastal Research SI39, 1695-1699.