Nenhuma organização de caráter mundial (por mais renomada que seja), nenhuma nação, nenhum sistema de saúde, nada e nem ninguém estava preparado para o rastro de horror causado pela COVID-19. Embora existam controvérsias sobre sua origem, estudos indicam que o novo coronavírus foi detectado no dia 1 de dezembro de 2019, na cidade da China, Wuhan. Ao se expandir com velocidade incrível no mundo, a pandemia instaurou verdadeiro caos em diferentes nações, incluindo o Brasil, apenas começando o 2020.
Em toda parte, há dentre os gestores, encontros e desencontros de “fórmulas” de como agir e do que fazer; brigas às claras ou às ocultas; acusações veladas ou midiáticas sobre os protocolos em estudo ou adotados. Muitas discussões acerca da necessidade de fechar as cidades ou não, seguidas de reinvindicações a favor da volta urgente ao trabalho.
Continuamos atônitos diante da pandemia devastadora do coronavírus que deixou a salvo tão somente um único continente, a Antártida, onde habitam poucos seres humanos. Dados da BBC News1, apontam que apenas cerca de 40 outros locais em todo o mundo, pelo menos oficialmente, não registraram nenhuma infecção. Eles têm em comum o fato de não manterem significativo fluxo de pessoas e/ou serem regimes repressivos. No primeiro caso, está Tuvalu, Estado da Polinésia formado por nove ilhas remotas e com populações pequenas. Dentre as ditaduras, pode-se citar a Coréia do Norte, que mesmo cercada por nações bastantes afetadas, a exemplo da China, seu Governo não declarou uma única incidência da COVID-19 até os dias de hoje, em junho 2020. O Turcomenistão (Ásia Central), um dos regimes mais duros do mundo, chegou a proibir a palavra coronavírus.
Políticos em todas as instâncias, médicos, enfermeiros, psicólogos, sociólogos, empresários, economistas, enfim, quase todo o mundo repete, sem cessar, como um bordão ou refrão: “nada será como antes.” A este respeito, o Papa Francisco lançou, ainda em maio de 2020, intitulado “Vida após a pandemia”.
O Pontífice, num dos trechos, lembra o quanto a perda do contato humano durante a pandemia nos empobreceu, quando fomos separados dos amigos, em especial, da família, “incluindo a crueldade total de não podermos acompanhar os moribundos em seus últimos momentos de vida e depois chorá-los [...] Não consideremos óbvio o fato de podermos retomar a convivência no futuro, mas redescubramo-la e encontremos formas de fortalecer [...] esta possibilidade”, diz o Papa Francisco (p. 14)2.
Esta parte final da transcrição, quando diz ser preciso redescobrir as formas de convivência com o outro, é fundamental. Isto porque a quarentena, o aislamiento social, o distanciamento social e o lockdown deixaram expostas nossas vísceras: debilidades e dificuldades no convívio familiar e/ou na convivência social mais duradoura.
No caso do Brasil, tudo parece mais grave. Isto porque, a soma elevada de vidas perdidas no Brasil até o dia de hoje (amanhã, teremos novo número), vítimas da COVI-19 sobrevivem, lado a lado, com outro algoz anos a fio: o desmatamento da Amazônia, que se agrava a cada dia e faz vítimas também fatais.
Com estrutura gerencial pesada, em que sobram órgãos que não dizem a que vieram, além do MMA; MCTIC; CNAL, há muitos outras autarquias/institutos de diferentes designações, sendo todos envolvidos com a questão do desmatamento, tema que incorpora uma série de itens de suma importância, como grilagem e incêndios florestais. O resultado é uma sopa de letrinhas que se embaralham e confundem a população.
Mas, as letrinhas, em seu engarrafamento infindo, não causam risos. Trazem mais infortúnios e mais sofrimento. Desta vez, as vítimas mais imediatas são os povos da Amazônia, diante da proposta de abolir as reservas legais para instalação, nas terras indígenas, de empresas de mineração, agricultura e pecuária. Como decorrência, as zonas com maior concentração da praga do trabalho escravo, conflitos de terra, mortes de ambientalistas e crimes contra quem quer que se rebele, estão na esfera de nossa Amazônia.
O aparente desprezo do presidente Jair M. Bolsonaro contra as organizações ambientais ou organizações não governamentais, em geral, caminha junto com a prepotência de seu companheiro de malfazer, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Tais condutas foram documentadas por Lucas Ferrante e Philip Fearnside, pesquisadores do INPA no estudo intitulado O novo presidente do Brasil e os “ruralistas” ameaçam o meio ambiente da Amazônia, os povos tradicionais e o clima global (tradução livre) na revista internacional “Environmental Conservation”3.
Os autores não somente mencionam, mas comprovam, mediante consulta à extensa documentação do Diário Oficial da União e a outros meios múltiplos de comunicação, o desmonte dos órgãos ambientais e indígenas e a política ambiental nefasta, incluindo programas de fiscalização e licenciamento, em território nacional, desde a posse de Bolsonaro em 1º de janeiro de 2019 — o que exerce fortes efeitos sobre a biodiversidade e as mudanças climáticas. Há forte tendência para fragilizar, ainda mais, a legislação ambiental, a exemplo das discussões sobre o Código Florestal em tramitação entre Câmara e Senado sem alcançar um nível aceitável.
Lubia Vinhas, Coordenadora do monitoramento do desmatamento da Amazônia junto à Coordenação da OBT[h] do INPE[i] foi demitida em 13 de julho pelo titular do MCTIC, três dias depois de disseminar os índices crescentes de desmatamento da Amazônia nos últimos cinco anos.
São 14 meses consecutivos de maior desmatamento em comparação com os mesmos meses do ano anterior. Entre agosto de 2019 e abril de 2020, o desmatamento na Amazônia totalizou 7.566 km² de área desmatada contra 4.589 km² entre agosto de 2018 e junho de 2019, o que significa um aumento de 65%, segundo dados do Deter-B[j]/INPE.
São muitas cifras. São muito números. São muitas desinformações. São muitos km² de mata perdida que afetam a realidade do país, de tal forma que esperamos que o vice-presidente Hamilton Mourão, na condição de Coordenador do CNAL, barre o crescimento das ações ilegais, com a ressalva que há autorização por um mês para o emprego de operações da Garantia da Lei e da Ordem, que libera o uso das Forças Armadas para o combate ao desmatamento. Trata-se de uma medida que fragiliza as funções históricas do Ibama e do ICMBio, ao subordinar esses órgãos às forças militares.
Por outro lado, diante das críticas mundiais e locais, o Governo Bolsonaro acaba de promulgar, 16 de julho, decreto que proíbe queimadas durante 120 dias. Estas só ocorrerão em casos previstos, como práticas de prevenção e combate a incêndios; pesquisas autorizadas por órgãos ambientais; controle fitossanitário; e queimas controladas em áreas além da Amazônia Legal e do Pantanal, quando essenciais às práticas agrícolas. É esperar para ver se a sopa de letrinhas formará palavras e frases significativas ou se tudo persistirá como antes! É esperar para ver!