Projeto “SOS Riachos”: ciência como ferramenta para sensibilização ambiental

O trabalho conjunto da academia, líderes políticos e setores produtivos é vital para o desenvolvimento de projetos ambientais voltados para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

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O projeto “SOS Riachos” foi elaborado para atender demandas ambientais (como assessoria técnica em eventos de educação ambiental) de duas organizações comunitárias da cidade de Maringá, Brasil: Grupo de Estudos e Ações Comunitárias (GEAC) - formado por moradores da região da Paróquia São Mateus Apóstolo - e o Grupo de Meio Ambiente Paroquial (GMAP) - formado por moradores da região da Paróquia Santa Isabel de Portugal de Maringá.

O projeto teve início em fevereiro de 2018 por iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais (PEA) e do Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (NUPELIA) da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e desde o início foi apoiado pela Prefeitura Municipal de Maringá, quem fez parte do grupo de trabalho.

Campanha de sensibilização

O principal objetivo do projeto foi sensibilizar a população, especialmente os mais jovens (estudantes do ensino fundamental), sobre a necessidade e urgência de conservar os riachos urbanos e fundos de vale (ponto mais baixo de um relevo por onde escoam as águas das chuvas) para assim melhorar a qualidade de vida e a saúde integral de toda a comunidade. Para isso, tivemos o grande desafio de traduzir conceitos científicos complexos em uma linguajem simples e de fácil entendimento por parte da comunidade. Um objetivo adicional do projeto foi aproximar a universidade da comunidade externa. 

O principal objetivo do projeto foi sensibilizar [...] sobre a necessidade e urgência de conservar os riachos urbanos e fundos de vale

Assim, por meio de atividades de divulgação que abordaram conceitos básicos de interação entre organismos e do funcionamento de ecossistemas, o projeto buscou estimular crianças e adultos a desenvolver uma posição crítica sobre o uso dos recursos naturais não renováveis e sobre a destinação de resíduos, com ênfase nos riachos de primeira ordem

O sucesso dos esforços do projeto foi revertido na mudança de comportamento das crianças nos ambientes em que estão inseridas (escola, família, comunidades de bairro, igrejas, etc.). Além disso, o aprendido terá impacto positivo nas relações que estabelecerão no futuro com outras pessoas e com o meio ambiente.

Interação entre universidade e ensino fundamental

Diferentes atividades lúdicas e material didático (jogos teatrais, desenhos, observação em microscópio e maquetes) foram levados às escolas municipais, estaduais e particulares e apresentados às crianças das primeiras séries do ensino fundamental. Com o uso dessas atividades foi possível estimular o interesse de crianças nos organismos presentes nos rios, no funcionamento de riachos e na importância da manutenção da integridade dos fundos de vale. Essa iniciativa interdisciplinar envolveu profissionais de artes cênicas, ciências biológicas, educação e psicologia.

O projeto buscou estimular crianças e adultos a desenvolver uma posição crítica sobre o uso dos recursos naturais

Alunos da graduação e pós-graduação da UEM e de outras instituições de ensino superior públicas e privadas, como a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), o Centro Universitário de Maringá (Unicesumar) e o Centro Universitário Ingá (Uningá), expuseram seus conhecimentos sobre as questões ambientais aos estudantes do ensino fundamental e à população em geral. Para tanto, foram produzidos materiais didáticos de cunho científico e apropriados para o melhor aprendizado do público alvo. Esses materiais incluíram cartilhas, desenhos, cartazes e maquetes.

Cartazes do projeto SOS Riachos expostos em mostra científica

Os materiais didáticos e as atividades, como mostras científicas realizadas em escolas, parques e vias públicas, focaram em familiarizar à comunidade com os organismos benéficos e nocivos que habitam os corpos de água. Todas as atividades mobilizaram a comunidade local e escolar e possibilitaram maior contato com informações sobre a importância da manutenção da limpeza de riachos e fundos de vale, contribuindo para a sensibilização ambiental. Como resultado, foram incentivadas mudanças no comportamento dos assistentes, desde o descarte correto dos resíduos sólidos até o respeito com os seres vivos que dependem dos riachos.

Projeto SOS Riachos

Principais atividades nos dois primeiros anos

Produção de material didático

Com o intuito de atrair a atenção às questões ambientais relacionadas aos riachos, foram utilizados vídeos, registros fotográficos e cartazes, assim como desenvolvidas maquetes sobre riachos e uma cartilha sobre fundos de vales.

Maquete de uma bacia hidrográfica

Mostras científicas em ambientes formais de ensino

As atividades de educação ambiental foram realizadas com alunos de todas as faixas etárias (jovens e adultos) de 62 escolas (56 municipais, uma estadual e cinco particulares) dos municípios de Alto Paraná, Campo Mourão, Maringá, Paiçandu e Sarandi, com aproximadamente 16.000 alunos atendidos. Foram realizadas exposições interativas e orientações técnicas ambientais sobre a importância da conservação dos riachos e das suas comunidades biológicas.

Mostra científica

As exposições incluíram a apresentação de uma coleção dos organismos presentes nestes ambientes, e com auxílio de microscópios os estudantes conseguiram também se aproximar dos organismos microscópicos ali presentes. Além disso, foi realizada uma dinâmica de separação do lixo reciclável e foi discutida a destinação correta do lixo não reciclável. Por outro lado, um jogo teatral serviu para encenar ambientes poluídos e limpos e evidenciar as particularidades de cada um deles. Nessa dinâmica os alunos desempenharam o papel de peixes que nadavam por ambientes poluídos e limpos.

Jogo teatral

Mutirões e mostras científicas em ambientes não formais de ensino

Foram realizados 11 eventos de sensibilização em espaços públicos dessas cidades, priorizando eventos municipais com alta concentração de pessoas, atingindo aproximadamente 4.000 participantes. As pessoas puderam observar aquário com biota regional, microrganismos com auxílio de microscópios, animais taxidermizados, animais conservados em formol (benéficos e nocivos) e cartazes com fotos dos riachos locais e informações sobre resíduos sólidos. Além da mostra, em seis desses eventos, com auxílio da comunidade e orientação da equipe, houve a limpeza de riachos 

Palestras em ambientes públicos e eventos municipais

Foi abordada a importância da responsabilidade ambiental dos cidadãos, sendo discutidos temas como: lixo e saúde (propagação de animais indesejáveis como escorpião-amarelo, insetos e vetores da dengue, bem como outras questões sanitárias), recursos hídricos (riachos urbanos e recarga do Pirapó e do Ivaí, segurança hídrica, biodiversidade), importância da mata ciliar (invasão biológica, serviços ecossistêmicos, proteção de cursos de água, Área de Preservação Permanente –APP), e educação ambiental. No total, foram realizadas 12 palestras, com público aproximado de 2.000 pessoas. 

Palestra com professoras

Cursos e disciplinas optativas

O curso de extensão “Conservação e restauração em riachos urbanos comCiência” foi oferecido à comunidade universitária e a população em geral e teve como principal objetivo apresentar as condições em que se encontram os riachos do município de Maringá, os impactos que têm sofrido e as ações necessárias para sua restauração. Esse mesmo enfoque foi aprofundado na disciplina “Ecologia de Riachos Urbanos” elaborada e ofertada aos alunos do curso de Ciências Biológicas da UEM. Também foi oferecida à pós-graduação o curso “Geoprocessamento para Ecologia”, que incluiu o treino com ferramentas modernas para o gerenciamento dos cursos de água e a caracterização da paisagem adjacente aos mesmos. No total, 70 pessoas foram atendidas.

Atividade de campo

Divulgação Científica nos multimeios

Foram elaboradas publicações semanais sobre temas atuais em ecologia, curiosidades e informações sobre riachos, qualidade de vida, resíduos sólidos e urbanização, em páginas do Facebook (@sosriachosmaringa) e Instagram (@sos.riachos). Nos sites da UEM e das prefeituras foram feitas publicações sobre os eventos do projeto.

A equipe de divulgação entrou em contato com um dos produtores da Rede Paranaense de Comunicação (RPC), maior emissora do Estado, que produziu uma série especial de reportagens para a semana do meio ambiente (de 4 a 7 de junho de 2019) A série focou nos trabalhos de divulgação científica e sobre o ambiente conduzidos por docentes e discentes do projeto. 

  • Série de reportagens mostra as condições dos fundos de vale em Maringá

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  • Voluntários contribuem para proteção dos fundos de vale de Maringá

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  • Última reportagem de série especial mostra educação ambiental em escolas

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Posteriormente, essa série foi transformada em programa e apresentado no Estado todo no programa “Meu Paraná”. Além disso, outras quatro reportagens foram feitas sobre ações do projeto. A difusão da mídia foi muito maior do que a das demais atividades desenvolvidas. Assim, nossa mensagem atingiu praticamente o total da população do estado do Paraná.

Produção de trabalhos científicos: com o objetivo de divulgar os métodos e os resultados do projeto e trocar experiências com outros pesquisadores, foram elaborados resumos expandidos para eventos académicos e científicos. Um para o 2º Encontro Anual de Extensão Universitária UEM (EAEX), outro para o XVII Encontro Paranaense de Educação Ambiental (EPEA) e mais um para o IV Colóquio Internacional de Educação Ambiental. Um artigo científico foi submetido para a revista Ambiente & Sociedade e dois ainda serão submetidos para outras revistas. Além disso, um livro sobre o projeto está em produção.

Prêmio para o projeto SOS Riachos

Fatos interessantes que ocorreram durante o projeto

No município de Alto Paraná, uma das mostras científicas foi realizada no projeto Social Bom Menino, que é administrado pela Comunidade Católica Emanuel, em um espaço da prefeitura. Esse projeto ajuda crianças carentes e com histórico de abandono ou violência a se reinserir na sociedade e tenta proporcionar a eles um quotidiano seguro. As atividades foram adaptadas visando abordar os temas de forma interativa e de acordo com a realidade das crianças. Ao perguntar aos alunos sobre seus sonhos de vida, um deles respondeu que o dele era “virar catador de laranja porque não conseguiria coisa melhor”. Essa afirmação é um claro exemplo do ponto de vista dessas crianças e das limitações que enfrentam. Nossas atividades visavam precisamente mudar essa atitude dos alunos, aproximando-os da academia, fazendo-os entender que todos temos o direito de aspirar a uma carreira universitária e mostrando a eles que é possível transformar a realidade através de estudo, mostrar que é possível que sua realidade seja transformada por meio do estudo e que é seu direito aspirar a universidade.

Em outra situação, alguns alunos de pós-graduação levaram trabalhos para apresentar  a pesquisadores estrangeiros e trocar informações sobre os projetos de extensão universitária. Esse intercâmbio foi realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais (PEA, proponente do projeto), com recursos financeiros provenientes da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná.

Estudante de mobilidade internacional

Além disso, como produto da parceria com a UTFPR foi desenvolvido um um projeto irmão no município de Campo Mourão, intitulado “Rio do Campo Limpo”, que realiza atividades de educação ambiental semelhantes ao projeto SOS Riachos e possibilita uma valiosa troca de experiências entre os participantes. 

Impacto do projeto para estudantes e comunidade

Em suma, o projeto atendeu às demandas iniciais dos moradores sobre as questões ambientais. Constatou-se que a população pode ser estimulada para aprender sobre questões ligadas ao meio ambiente e está disposta a se engajar em uma mudança de comportamento.

Além disso, demonstrou a importância e a responsabilidade que os acadêmicos têm de traduzir conceitos científicos relacionados ao meio ambiente em linguagem mais simples, para que sejam entendidos e aplicados pela comunidade em geral. De fato, evidenciamos que a comunidade está disposta a disseminar e aplicar o apreendido nos eventos de divulgação científica.

A população pode ser estimulada para aprender sobre questões ligadas ao meio ambiente e está disposta a se engajar em uma mudança de comportamento

Durante o projeto, a comunidade colaborou na maioria dos eventos, envolvendo prefeituras tanto do planejamento quanto na realização das atividades.

Assim, o planejamento e desenvolvimento das atividades do projeto foram o resultado da sinergia entre as comunidades, escolas, prefeituras e a academia. Isso foi um exercício de diálogo apartidário e com objetivo claro: contribuir para a melhoria da qualidade de vida e saúde integral na região. Essa mobilização conjunta e coordenada revelou o papel de cada um dos atores da comunidade assim como sua responsabilidade para salvaguardar o meio ambiente.

Esse projeto de extensão universitária permitiu a aproximação entre a universidade e a comunidade, mobilizou diferentes setores da sociedade e brindou uma oportunidade única de aprendizagem e cooperação mútua, utilizando o conhecimento científico e acadêmico em prol da melhoria da qualidade de vida de todos.

 

Por meio da conscientização sobre os problemas locais, o projeto mostrou aos estudantes que é possível transformar a sua realidade. A partir da sua participação no projeto e baseados  nas suas experiências e descobrimentos, o projeto lhes convidou a participarem como agentes ativos transformadores de seu meio. 

Além de, num processo constante de desmonte da educação pública brasileira, bem como a desmoralização dos cientistas devido aos cortes de investimento na ciência, o projeto demostrou a importância (e responsabilidade) da ciência e dos pesquisadores para transformar de forma positiva o entorno e a realidade de todas as pessoas. 

Agradecimentos

Lucas Henrique de Oliveira, Bárbara Furrigo Zanco, Evanilde Benedito, Beatriz Bosquê Contieri  e Matheus Maximilian Ratz Scoarize

Os autores agradecem pelo apoio logístico e financeiro ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao Programa Universidade sem Fronteiras (USF) da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná (SETI-PR) e a Universidade Estadual de Maringá (UEM), por intermédio do Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupélia), docentes, técnicos e discentes do Programa de Pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais (PEA) e do Programa de Biologia Comparada (PGB) e dos acadêmicos do curso de Ciências Biológicas. 

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