A Terra passou por mudanças climáticas dramáticas ao longo de sua história geológica, variando entre períodos de calor extremo e fases de resfriamento que resultaram em extensas glaciações. Em um estudo recente publicado na revista Science, Emily J. Judd e colaboradores1 oferecem uma perspectiva nova e detalhada da evolução das temperaturas em nosso planeta durante o Fanerozoico.
Combinando dados geológicos com modelos climáticos
Os pesquisadores desenvolveram uma reconstrução detalhada da temperatura média global da superfície terrestre (GMST, na sigla em inglês) ao longo dos últimos 485 milhões de anos. Esta reconstrução, chamada PhanDA (Phanerozoic Data Assimilation), utiliza um método de assimilação de dados para integrar informações de registros geológicos com simulações climáticas. Esse processo é semelhante a montar um quebra-cabeça, onde cada peça de informação geológica se encaixa com projeções teóricas de modelos climáticos.
A temperatura global da superfície flutuou entre 11°C e 36°C nos últimos 485 milhões de anos.
Os dados geológicos utilizados provêm principalmente de análises de Isótopos de fósseis marinhos que revelam a temperatura da água em que esses organismos viviam, enquanto as simulações dos modelos climáticos abrangem diversas estimativas de concentrações de dióxido de carbono (CO₂) e configurações paleogeográficas, como a distribuição dos continentes e oceanos ao longo do tempo.
Essa abordagem permite superar as limitações de estudos anteriores, que se baseavam apenas em um desses elementos, proporcionando uma visão mais precisa e detalhada da variabilidade climática ao longo do tempo.
O clima da Terra: mais variável do que imaginávamos
A reconstrução PhanDA revela que a temperatura global da superfície variou entre 11°C e 36°C nos últimos 485 milhões de anos (um intervalo maior do que em análises anteriores), com mudanças notáveis entre períodos de climas quentes (estados de "estufa") e frios (estados de "casa fria"). Uma descoberta crucial do estudo é que a Terra passou mais tempo em estados climáticos quentes do que em frios, o que contrasta com algumas reconstruções anteriores que subestimaram a variabilidade das temperaturas nesses períodos.
A análise mostra uma forte correlação entre a temperatura global e as concentrações de CO₂ na atmosfera, reforçando a ideia de que esse gás de efeito estufa tem sido o principal regulador do clima ao longo do tempo. O estudo também destaca que, durante períodos extremamente quentes, como o Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno (PETM), as temperaturas nos trópicos chegaram a atingir até 42°C. Isso levanta questões sobre a capacidade de adaptação da vida na Terra a condições tão extremas. Esses eventos climáticos, vinculados a altas concentrações de CO₂, estão intimamente relacionados com extinções em massa e mudanças drásticas nos ecossistemas terrestres e marinhos.
O aquecimento atual é inédito, ocorrendo em décadas em vez de milhões de anos, e representa grandes desafios para os ecossistemas e a sociedade.
Mudança climática atual: uma corrida contra o tempo
Comparar as descobertas do PhanDA com a mudança climática atual sugere que, enquanto as mudanças naturais no tempo geológico ocorreram em escalas de milhões de anos, o aquecimento atual se dá em décadas, acelerado pelas emissões humanas de CO₂ e outros gases de efeito estufa. Isso é sem precedentes e apresenta grandes desafios para os ecossistemas e a sociedade. O registro geológico mostra que altos níveis de CO₂ estão ligados a temperaturas extremas e mudanças climáticas globais. Se as emissões continuarem, poderemos enfrentar um clima semelhante ao dos períodos de “estufa” do passado, com graves implicações para a vida na Terra.
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Para mais informações:
- 1. Judd, E. J., Tierney, J. E., Lunt, D. J., Montañez, I. P., Huber, B. T., Wing, S. L., & Valdes, P. J. (2024). A 485-million-year history of Earth’s surface temperature. Science, 385(6715), eadk3705