Sobre rãs, sapos e anuros
Os anfíbios estão entre os vertebrados mais primitivos, e sua característica principal é que podem viver tanto na água quanto na terra; daí a origem de seu nome, derivado do grego amphi (duplo) e bios (vida). Dentro da enorme diversidade de anfíbios, podemos encontrar aqueles que têm cauda (salamandras e tritões) e, por outro lado, as cecílias (erroneamente chamadas de cobrinhas-cegas) e os anuros (rãs e sapos). Estes últimos são os mais amplamente distribuídos no mundo, com mais de 7.000 espécies, concentradas na América do Sul, América Central e Oceania.
Os anfíbios estão continuamente em contato com ambientes terrestres e aquáticos e, portanto, estão expostos a uma ampla variedade de patógenos (organismos que podem afetar sua saúde). Além disso, uma característica particular é que têm a pele "nua", ou seja, desprovida de escamas, penas ou pelos, o que os torna mais suscetíveis à desidratação ou aos danos causados pelos raios ultravioletas (UV) do sol. É, portanto, necessário que esses animais possuam mecanismos que os ajudem a prevenir doenças e danos à pele.
Precisamente, rãs e sapos desenvolveram ao longo de sua evolução diversas adaptações em sua pele, entre as quais se destacam glândulas cutâneas chamadas “glândulas granulares” que têm a capacidade de produzir uma substância composta principalmente por um tipo especial de proteínas chamadas de «peptídeos». Esses compostos são responsáveis por prevenir infecções nos anuros, atacando vírus, fungos e bactérias que entram em contato com a pele. Por outro lado, os peptídeos dos anuros têm a capacidade de neutralizar moléculas de oxigênio chamadas «radicais livres» que podem se formar na pele devido à radiação e danificar componentes celulares como lipídios, proteínas e o DNA.
A importância da pele dos anfíbios para usos farmacêuticos
Os peptídeos podem ser benéficos para uso humano? Ao longo da história, os anfíbios e os humanos tiveram uma longa relação, seja como recurso alimentar, como controladores naturais de pragas, mas também representando uma fonte medicinal de amplo espectro. O uso curativo dos anfíbios remonta-se às culturas mais antigas, principalmente na China, onde eram utilizados na forma de bebidas ou poções devido às suas propriedades medicinais como agentes antibióticos, analgésicos, anti-inflamatórios, antitumorais e alucinógenos, entre outros. Este folclore curativo dos produtos naturais constitui a base das ciências médicas modernas. Atualmente, com o avanço da química e da biotecnologia, foi possível isolar, caracterizar e até mesmo sintetizar várias dessas moléculas bioativas responsáveis por sua ação terapêutica.
Desde a descoberta e isolamento dos primeiros peptídeos de anfíbios com atividade antimicrobiana, centenas de peptídeos foram identificados e testados como potentes bactericidas e fungicidas. Por exemplo, as temporinas que podem ser isoladas da rã vermelha (Rana temporaria) ou as brevininas da rã comestível (Pelophylax kl. esculentus), entre muitas outras. Por sua natureza química, esses peptídeos podem penetrar na membrana celular das bactérias e eliminá-las. Isso minimiza enormemente a possibilidade de gerar resistência, um problema cada vez mais frequente entre antibióticos tradicionais. É por esse motivo que os peptídeos antimicrobianos derivados de anfíbios são de particular interesse para as terapias antibióticas.
Embora a atividade antimicrobiana associada aos peptídeos antimicrobianos seja a mais explorada das secreções de anfíbios, as possíveis aplicações terapêuticas dessas potentes moléculas estão cada vez mais amplas. Por exemplo, alguns deles já foram testados como antivirais, atacando o vírus Herpes simplex 1 e 2 e o vírus da gripe A; ou como agentes antitumorais preliminares, reduzindo a proliferação de certas células cancerígenas. Além disso, em consonância com seus usos culturais e medicinais mais antigos, secreções de diferentes espécies de sapos, e moléculas isoladas a partir deles, como a dermorfina da rã amazônica, demonstraram um grande efeito analgésico, mais potente que a morfina em alguns casos. Por fim, relacionado à sua alta atividade antimicrobiana e antioxidante, nos últimos anos foram desenvolvidos cremes ou pomadas com misturas de peptídeos de anfíbios para tratar e reparar feridas ou queimaduras na pele.
A pele dos anfíbios pode ter outros usos medicinais
Além de suas conhecidas propriedades antimicrobianas, antioxidantes, antivirais e analgésicas, existe uma aplicação relativamente pouco explorada para os peptídeos naturais de rãs e sapos: as doenças neurodegenerativas. Esse tipo de patologia é geralmente de natureza crônica ou progressiva e se caracteriza pelo fato de que a pessoa que a sofre apresenta deterioração da memória, redução da capacidade de pensar, orientar-se no espaço ou até mesmo se expressar. A Doença de Alzheimer é um distúrbio cerebral neurodegenerativo progressivo que reúne essas características e aumenta substancialmente em pessoas com mais de 65 anos.
Nas últimas décadas, diferentes estudos demonstraram que o Alzheimer é uma doença multifatorial complexa. Isso significa que pode ser causada por vários fatores, de modo que qualquer medicamento utilizado deve ser capaz de atacar simultaneamente todos os alvos terapêuticos. Esse fato explica, em grande parte, que o desenvolvimento de medicamentos para o Alzheimer tenha uma taxa de fracasso elevada.
Em termos gerais, o Alzheimer ocorre por algumas das seguintes situações:
- Níveis baixos de neurotransmissores colinérgicos: isso significa que os neurônios se comunicam entre si por meio de neurotransmissores, que são degradados por proteínas especiais chamadas «enzimas colinesterases». Em um cérebro com Alzheimer, essas enzimas trabalham mais do que o necessário, interrompendo a comunicação entre os neurônios.
- Formação de placas senis: quando isso ocorre, formam-se resíduos que aderem aos neurônios, eventualmente matando-os.
- Estresse oxidativo: a presença de moléculas especiais de oxigênio (chamadas radicais livres) atua como agentes tóxicos que rompem ou inutilizam diferentes partes do neurônio.
- Desequilíbrio de biometais como cobre, ferro e zinco: um aumento na quantidade de certos metais no cérebro pode interferir na função normal de várias enzimas envolvidas na transmissão de informações entre os neurônios.
Mas então, como os peptídeos de anfíbios podem ajudar nas doenças neurodegenerativas como o Alzheimer? Os peptídeos naturais de rãs e sapos demonstraram a capacidade de inibir enzimas como as colinesterases, neutralizar radicais livres e até mesmo sequestrar metais em um processo conhecido como «quelatação». Isso implica que, como vimos anteriormente, os peptídeos de anfíbios são bons candidatos para atacar simultaneamente os três principais fatores que influenciam o desenvolvimento do Alzheimer.
O que estamos fazendo a respeito?
Como resultado das pesquisas desenvolvidas nos últimos anos na Faculdade de Bioquímica e Ciências Biológicas da Universidade Nacional do Litoral (Santa Fe, Argentina), os extratos das peles de espécies do litoral argentino, como a rã trepadora (Boana pulchella), a ranita nadadora (Pseudis minuta), a rã boyadora (Pseudis platensis) ou o sapo argentino (Rhinella arenarum), demonstraram a notável capacidade de atuar sobre algumas das vias patológicas mais representativas do Alzheimer, inibindo as enzimas que estão em maior quantidade em cérebros doentes e controlando a produção de radicais livres.
Inclusivamente, em nossos estudos, observamos que vários peptídeos extraídos da rã trepadora e da rã criolla (Leptodactylus luctator) mostram resultados promissores para controlar os efeitos negativos do Alzheimer ao se ligarem a metais, neutralizando enzimas ou atuando como antioxidantes (ou seja, contrabalançando o efeito negativo dos radicais livres). Apesar de que para desenvolver um medicamento são necessários muitos estudos e rigorosos controles de segurança, indubitavelmente os peptídeos naturais surgem como uma alternativa terapêutica de grande interesse.
Em síntese, todas essas descobertas destacam a profunda conexão entre os anfíbios anuros e a saúde humana. A abundância de compostos em sua pele, com múltiplas bioatividades, impulsionou o desenvolvimento de importantes áreas de pesquisa. Isso nos obriga a valorizar a preservação desses animais e sua diversidade, pois, além de seu papel fundamental nos ecossistemas, representam também uma fonte inestimável de biomoléculas com imenso potencial para pesquisa aplicada e desenvolvimento de novos tratamentos farmacológicos.
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Para mais informações:
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