Ciência, divulgação científica e algas no Paraguai

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Nesta entrevista, Melissa González nos fala sobre sua paixão por algas, sobre a divulgação da ciência no Paraguai e o que a motiva no mundo científico

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Revista Bioika (RB): Qual é a sua opinião sobre a popularização dos trabalhos científicos hoje?

Melissa González (MG): Sempre existe aquela competição por estar em boas revistas, em revistas de grande impacto. Mas estar em revistas de grande impacto significa utilizar muitos termos técnicos. E quanto mais você se afasta dos termos comuns, por assim dizer, com termos que são mais amigáveis para a sociedade, mais bonito é o seu artigo científico. Mais científico, quero dizer. 

No entanto, é uma forma de distanciar ainda mais a sociedade e de fazer com que ela entenda a importância do que fazemos, independentemente do uso direto ou não do que se publicou. Em alguns casos não é usado diretamente, mas eles são de grande impacto para quem vai usar [a informação].

Ou seja, me parece que tentando vencer aquela corrida de fazer artigos científicos, perfeitamente científicos, perfeitamente ornamentados, perfeitamente enquadrados naquele mundo científico, com esses termos técnicos nos afastamos mais de fazer as pessoas entenderem o que estamos fazendo. Parece-me que isso contradiz um pouco o nosso objetivo. Sim, estamos fazendo, querendo resolver problemas sociais, mas entre nós entendemos nossos próprios termos. E gostamos do fato de publicar coisas muito técnicas. Às vezes não muito compreensíveis.

Micrasterias sp, gênero de microalgas de água doce

RB: Você acredita que faz falta o fortalecimento de pontes entre os pesquisadores e as pessoas leigas?

MG: Atrevo-me a dizer uma coisa que costuma ser um pouco estranha, principalmente quando se fala em competição de revistas. Estas de grande impacto. Em revistas com grande bagagem de publicação e artigos científicos de alta qualidade. Tem também aquelas revistas que são mais locais, do seu país. Essas revistas que são mais da universidade. Onde talvez estejam os termos... devido à carga de termos técnicos, devido à experiência dos cientistas. Termos que deveriam estar mais próximos daqueles que podem ser digeridos pela sociedade.

Então, atrevo-me a dizer que talvez, em certo aspecto, aquelas revistas menores, ou aquelas revistas que parecem que não têm tanto impacto num nível mundial, são revistas que em certo aspecto guardam aquela essência que seria bom resgatar ao fazer publicações de grande impacto. Acredito que não precisa estar dissociada a ideia de fazer uma publicação cientificamente bela, de uma boa carga técnica. Mas que também possa ser entendida por qualquer pessoa que pegue o artigo. Ou qualquer pessoa que tenha perguntas simples e ser capaz de responder essas perguntas simples com esses artigos.

RB: Não sei como é no Paraguai, mas aqui no Brasil, ou na Colômbia também, por esse tipo de publicação você recebe pouco mérito.

MG: E isso dói e isso dói porque você sabe o quanto isso tem impacto no seu país. Por exemplo, devo constantemente tentar publicar, fazer publicações sobre o Paraguai. Por exemplo uma lista de algas. Bem eu sei que uma lista de algas não tem mais tanto impacto. Eu sei que algo que tem a ver com qualidade da água, com um bloom de algas que pode ter um impacto.

Para dar um exemplo mais específico, Ceratium furcoides que é uma alga da que estão surgindo florações em vários países: Brasil, Bolívia, Argentina, Uruguai. No Paraguai também começaram essas florações e essas florações não são fáceis de gerenciar. Portanto, para o Paraguai, é importante. Mas se eu tento como um cientista alcançar outro cientista, ou tento competir com outros cientistas de fora, provavelmente esse objetivo ou intenção específica desse artigo não é tão interessante para um periódico de alto impacto. Então, onde meu artigo termina? Em uma revista local que não tem grande repercussão.

Então, quando falamos de concursos de cientistas de diferentes países, e do qual quero participar dessa classificação de grandes cientistas, não vou chegar lá, se esse for o meu sonho. Por isso é complicado.

RB: Sobre o que trata o atlas de algas que você criou e como surgiu a ideia?


Atlas Algas del Paraguay 20... by Leonardo Mendoza Carbajal

MG: O material tenta abarcar muito. Em um compêndio de fotografias. Em um catálogo fotográfico de algas, normalmente fitoplâncton (microrganismos aquáticos que fazem fotossínteses). Mas não faz uma classificação. O livro não faz uma classificação de bentônico (que habita no fundo da lagoa), perifítico (que crescem sobre substratos), etc. Simplesmente algas. É um trabalho onde sai uma lista geral do que é, do que existe, ou quais algas foram amostradas no Paraguai.

Como nasceu a ideia? Como surgiu a ideia? No início da conversa eu disse a vocês que, bom, meu interesse por algas começou em uma disciplina, em uma aula quando tivemos que fazer uma análise de amostra. E bem, a professora em uma dessas me respondeu... ela havia feito um comentário, que em Paraguai não tinha trabalho com alga, que não tinha livro, não tinha catálogo. Qualquer referência à qual eu pudesse ir e dizer "ah, bem, sim, temos algo." [havia] simplesmente aqueles relatórios em que os gêneros foram nomeados. Mas você não sabe por que não há fotos nem nada. Então, tivemos um livrinho que era "Microrganismos de água doce". Essa foi a nossa única referência. Foi a bíblia para nós. Foi nesse momento que decidi que era um campo aberto. Para mim, foi uma porta aberta. Uma oportunidade de fazer um trabalho importante, de fazer um trabalho interessante.

Como estudante, comecei a tirar fotos. Pedi permissão, lembro que foi um pouco difícil no começo porque existem regras no corpo docente. Quando você é novo, você não tem entrada livre para um laboratório de microscopia. E então você deve ter uma licença especial. Às vezes eu fazia amizade com os professores e dizia "Profe, com licença, posso ficar mais um pouquinho?". Ou “Profe, eu quero ver algumas amostras”. Mas naquela época...e não estou falando de muito tempo atrás. Em 2007, 2008, 2009 máximo. Quando ainda não era muito comum, ainda não era moda usar essas câmeras digitais, nós usamos aquelas que você tinha que trocar dos rolos e onde você tinha que ter muito cuidado porque você perdia tudo se perdia uma foto. Então usávamos aqueles rolos para tirar fotos daquelas amostras. Isso foi muito importante para mim. Porque ...hoje eu vejo isso com uma certa ternura. Inclusive toda aquela experiência, vivência. Mas foi bom porque naquela época eu não tinha...não tinha gente que influenciara nessa área da ficologia (estudo das algas). Então eu aplaudo se eu achasse um aluno que apesar das dificuldades que você encontra diga, bem, eu quero fazer.

Volvox sp.

Então eu me lembro que aquelas fotos serviram de ponto de partida. Não eram boas fotos, mas eram lindas. Simplesmente não tinham aquela nitidez necessária para a identificação. Mas eu me lembro que coloquei aquelas fotos como antecedente e escrevi um pequeno projeto. Dizendo, bom, eu quero fazer um projeto com algas, só que naquela época eu não dimensionava. A falta de experiência. Além disso, não dimensionava o que era "fazer" algas no Paraguai. Era coletar o máximo possível. E demorei muito mais, porque o projeto foi apresentado em 2009 e o livro foi publicado em 2016. Então, imagina. Muitos anos atrás das amostras.

Acabou assim. O livro é um compêndio geral de algas. As amostragens foram feitas uma ou duas vezes no máximo. Não foi um produto de monitoramento constante. E foi mais ou menos para ter uma ideia e começar daí. Porque na verdade o que eu queria em um princípio era trabalhar com biotecnologia de algas, mas como eu não sabia o que tinha de algas no Paraguai, pensei em fazer isso. Tentando ter uma ideia do que havia nos ecossistemas de água doce.

RB: E qualquer um poderia tirar proveito desse atlas? Ou eu teria que estudar ficologia para entender o que está naquele atlas?

MG: Ah não. Aquele atlas é bastante amigável. Minha intenção naquele momento era...mas também foi uma coincidência de coisas porque por um lado minha intenção era fazer alguma coisa que qualquer colega meu pudesse, qualquer pessoa que começasse... porque eu sempre me vi muito no início da estrada. Ainda não me via muito científica, embora quisesse essa imagem para mim. Mas não. Eu sabia que era inexperiente. Então o que eu queria com esse livro era que qualquer um que o pegasse se sentisse confortável para lê-lo.

Então o livro é separado em capítulos. O primeiro capítulo com linhas gerais, que no Paraguai há poucos trabalhos e que este trabalho tentou de certa forma colaborar para saber um pouco sobre a área de ficologia do Paraguai. Sobre as algas que existem em Paraguai.

O segundo capítulo fala sobre os lugares que foram amostrados. Mostra fotos. Ou seja, qualquer um vai se sentir chamado assim para dizer: “Nossa, eu quero ir lá também”. Aí aparece e tem alguns dados, Claro, técnicos, de quais foram os locais de amostragem específicos e assim por diante. Mas o atlas cobre a fotografia inteira. Então você tem uma certa imagem de onde as amostragens foram feitas.

No terceiro capítulo, fala sim mais tecnicamente. Explica um pouco sobre o uso da chave de identificação. Já mostra como usar a chave. Você pode saber como usar a chave lendo um pouco o background. Ou a primeira parte da explicação para poder segui-lo.

E no final mostra o cerne, a medula, digamos, do atlas. As fotos das espécies com seu nome específico, descrição. O interessante é que conseguimos fotos muito bonitas, fotos coloridas. Então todos se sentem chamados a entender.

E então, a partir de cada capítulo, após cada grupo de espécies, aparece uma lista... aparece uma tabela, onde diz, bem, essa espécie foi encontrada neste riacho, deste estado. Então qualquer pessoa desses departamentos poderia pensar "UAU, estou feliz que você tenha encontrado isso aqui" Nesses lugares foram encontradas coisas lindas. Porque sério, há fotos impressionantes, muito bonitas. O livro parece-me bastante, bastante amigável.

Cosmarium sp.

RB: Por que é importante conhecer as algas?

MG: Primeiro que tudo, para saber como lidar ou manejar situações em que ocorre a contaminação de um sistema aquático e podem surgir as algas. Onde elas podem aflorar, possa se apresentar um bloom de algas. Porque muitas delas podem ser negativas. Tem algas que são tóxicas. É isso que eu quero dizer com "negativas". Tem algas que são tóxicas e que podem gerar problemas. Principalmente quando há áreas urbanas que usam diretamente essa água. Então elas geram problemas ambientais e o uso do ecossistema já não é adequado.

Por outro lado, do ponto de vista positivo, existem algas microscópicas e macroscópicas que interessam pela sua aplicação em biotecnologia. Mas para o seu uso são cultivadas essas algas, e certa quantidade biomassa é gerada e é extraído um componente que pode ser interessante: Lipídios, proteínas, pigmentos.

Mas uma das questões que eu destacaria de por que conhecer, é principalmente como lidar, como trabalhar, como lidar, manejar um sistema aquático, tanto um sistema lêntico, como lótico, quando ocorre a proliferação de algas tóxicas. O que geralmente ocorre porque o ambiente está mudando. Existem substâncias químicas que começam a aumentar no sistema e que fazem com que certas algas se aproveitem e sua população comece a crescer, e muitas delas são tóxicas. Portanto, nesse sentido é muito importante saber o que há em um sistema de água.

RB: O que diria para alguém que quer entrar para a ciência?

MG: Olha eu tentaria muito influenciá-lo, eu acho. Acho que sou ruim nesse sentido. No sentido que eu sempre tento jogar eles na minha área. Porque eu gosto tanto, que eu falo para eles, bom, tenta estudar isso aqui.

Mas, independentemente disso, gosto de motivar as pessoas que se entregam às suas ideias e à sua motivação. Então, a motivação se perde rapidamente. Quando você estuda, ao sair da escola, ao sair do ensino médio e entras no ensino superior, você também tem a ideia de que você vai salvar o mundo. E desmotivar desde o início, com muitos livros e assim por diante às vezes desmotiva um pouco. Mas isso não significa que você tenha que perder de vista o obter conhecimento. Pelo contrário. Tentar se manter motivado começando a trabalhar como voluntário. Tornando-se um colaborador em projetos. Você aprende muito com as pessoas quando se põe a trabalhar na linha de pesquisa que você gosta, na área que gosta. Então se alimentar dessas amizades científicas, dessas amizades de professores. Esteja sempre em contato com o laboratório. 

Mas é claro que nunca perdendo de vista o lado acadêmico. Não ficar para trás nos cursos, nas disciplinas. Tentando ser um bom aluno. Mas como eu disse, isso custa principalmente quando você está muito orientado a só terminar as disciplinas, custa. Porque é difícil manter essa motivação por quatro ou cinco anos, até completar o currículo de cada carreira.

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Mas em questão de biologia ou na área que te dão biologia, acho que é fácil. É mais acessível tentar manter a motivação através do trabalho prático, sendo colaborador e voluntário em projetos de pesquisa. Você começa com o básico. Fazendo planilhas, fazendo parte... Vou passar isso pra você, ou vou limpar outra coisa pra você. E participar das conversas. É sempre muito nutritivo e isso incentiva. Isso é muito motivador. Acho que é o que eu tentaria infundir nos alunos que estão começando no ensino superior.

RB: E a você, nesse mundo científico, o que é que lhe motiva?

MG: Olha, me motiva a ideia de fazer algo pelo meu país. Até agora não consigo sentir muito isso, aquilo que eu queria sentir quando comecei. Até agora não sinto muito que as pessoas se sintam atraídas pela área da ficologia e talvez seja porque falta mais trabalho. É que são tão poucos anos falando, falando...Você que conhece dessa distribuição espacial e temporal vai perceber que realmente é difícil chegar em pouco tempo, tentar cobrir muito e fazer com que todos saibam daquela área e o quão importante é a área. Então, é complicado eu acho, tentar fazer essa área conhecida. Que se perceba a importância do que você está fazendo, isso para mim seria uma satisfação importante. Isso me alimentaria com uma motivação que preciso para continuar. Porque até agora continuo porque amo algas, gosto. E sei que há muito o que fazer no Paraguai.

RB: Se fosse uma alga, qual você seria?

Euastrum sp.

MG: É que essa resposta é difícil, porque toda alga é muito bonita. Mas... eu tenho mais conhecimento de microalgas porque bem, é o grupo de algas que mais encontro e com o que mais tenho que lidar nas amostras. Então acho que seria uma Micrasterias sp. Um Euastrum, por exemplo. Elas são tão ornamentadas. Elas são tão fofinhas. Ela é esplêndida. Diga-me uma pessoa que quando olha para o microscópio e para uma Micrasterias ou um Euastrum, ela tira não sei quantas (muitas) fotos. Eles são tão bonitos. Acho que seria uma dessas, sim.

RB: Qual é a alga que seus filhos mais gostam?

MG: Eles ficam impressionados com todos aqueles que são verdes, todos aqueles que são coloridos. Eles amam todos aqueles que são coloridos. E desde que sejam grandes, porque não gostam daquelas que são bolinhas

Micrasterias sp.

RB: Você escreveu em guarani algum livro que tem a ver com a divulgação das algas?

MG: No Paraguai, não porque falamos a língua oficial (guarani). Ou porque línguas como o guarani e o espanhol são oficiais, não há revistas que façam publicações científicas na área da biologia que se divulguem na língua guarani.

O que se faz e é um costume muito bem estabelecido. Um costume bem estabelecido é que, por exemplo nas plantas... vamos falar de plantas, que geralmente atingem mais a sociedade. E o Paraguai é um país que ainda usa muito a medicina natural. Então tudo que tem a ver com listas de plantas, por exemplo, você verá nas publicações científicas a tabela onde aparece o nome científico e ao lado dele o nome vernáculo ou vulgar. O nome vulgar está sempre em guarani. O nome nunca aparece em espanhol. Muito raramente você vai encontrá-lo. Para dar um exemplo, o abacate e seu nome científico. Não. É sempre em guarani. E ao lado, sei lá, o autor. Mas geralmente o nome científico e em guarani.

O mesmo acontece, por exemplo, na lista dos peixes ou na lista dos répteis. Você sempre vai encontrar o nome científico e os nomes em guarani na próxima linha. Isso é comum. Mas um artigo inteiro em guarani não é uma coisa comum

RB: Como dizer em guarani: adoro as algas?

MG: Ahayhueterei ygáu kuéra.

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